quarta-feira, 30 de maio de 2018

Muitas certezas...uma decisão cheia de dúvidas




Muito se tem discutido sobre a eutanásia nos últimos dias, temos ouvido e lido diversas opiniões de ambos os lados e todas me merecem o devido respeito. O único senão é que não me parece que seja um tema para tantas certezas, seja de que parte for.
Eu pelo menos não as tenho, consigo arranjar prós e contras para qualquer uma delas.
Já vivi situações que me fariam concordar, como também já passei pelas situações que me fariam pensar o contrário.
Acho que, acima de tudo, temos que contextualizar a eutanásia e contextualizar o país em que estamos.
Primeiro, uma das ideias que me parece muito presente, é que a eutanásia vem para “exterminar” as pessoas em fim de vida, sem perspetivas de cura. Aqui entram em cena os que defendem (e muito, muito bem, tal como eu defendo) os cuidados paliativos. Acredito piamente que com cuidados paliativos de qualidade é possível proporcionar um fim de vida digno a quem vê o seu tempo chegar ao fim devido a doença. Aqui entram em cena os que dizem que há situações que não há assistência que valha a quem está em tal posição de forma a mitigar o seu sofrimento. Não discuto, não sou especialista na área, nem nunca trabalhei num serviço especializado em paliação.
O grande cerne da questão, nesta área, é a tal contextualização do nosso país. Temos um país que permita a todas as pessoas em fim de vida e em sofrimento ter acesso a este tipo de cuidados? Não, não temos. Temos que lutar por isso? Claro que sim, acho fundamental a existência duma rede de cuidados paliativos de qualidade que abranja todo o país, de modo a dar resposta a todos os casos. Nova pergunta, alguma vez iremos chegar a esse ponto? Não gosto de futurologia, penso que não, mas não o posso afirmar.
Contudo temos um problema, até que esse dia seja palpável teremos muitas pessoas a falecer em sofrimento. Infelizmente, imagino que haja muitos doentes a ter uma morte pouco digna por este país fora, seja em situação de doença terminal ou aguda.
Já trabalhei num serviço (fora de Portugal) que não era de paliativos, mas que recebíamos doentes em fim de vida. Alguns casos conseguíamos dar uma resposta adequada, noutros não e quando tentávamos enviar os doentes para um local mais apropriado eram-nos fechadas as portas. Diziam que não havia camas ou não valia a pena, que os poucos recursos que tínhamos eram suficientes…não o eram. Aprendi a lidar com dois tipos de morte, a digna e aquela pela qual espero um dia não passar...reformulo, com esta não consegui aprender a aceitá-la.
Depois temos os outros casos, casos extremos que quem fala em cuidados paliativos parece esquecer que existem. Os tais em que a pessoa decide que não quer viver mais na situação em que se encontra, como são os casos, só como exemplo, das tetraplegias. Aqui é que esbarramos num muro de crenças que, a meu ver, deve-se deitar abaixo. Podem ser até situações em que não haja sofrimento físico...mas todos sabemos que não existe apenas esse. Eu, Jorge, pessoa autónoma, com família, amigos, trabalho etc, digo neste momento que não quereria viver numa condição em que apenas pudesse mexer a minha boca ou os meus olhos. Seria uma mente presa num corpo morto. E são estes casos, acima de tudo, em que acho que apenas quem passa por eles sabe verdadeiramente a agonia em que vive, que deviam de ter o direito a ter outra opção. Porque quem sou eu para dizer que os meios existentes para ajudar um tetraplégico são suficientes para acabar com o sofrimento em que vive? Além que todos sabemos que pessoas nestas situações com os meios dum Christopher Reeve ou dum Stephen Hawking são raras.
Quero deixar aqui a salvaguarda que ninguém com uma depressão amorosa ou algo parecido se inclui nos critérios para a eutanásia. Um dos argumentos que vejo a ser dado a favor é que o número de pedidos de pessoas para morrer é cada vez maior. Calma, muita calma. Se assim fosse, talvez metade das pessoas internadas em serviços de saúde seriam candidatas a tal procedimento. E no fim, quando saem dos internamentos, saem a agradecer por tudo o que foi feito e pela recuperação que tiveram.
Infelizmente, mesmo na presença das melhores condições, como profissional de saúde, tenho que ter a humildade de aceitar que há coisas que estão fora do alcance da ciência. Pelo menos para já. E como considero que não devo cortar a liberdade de quem possa estar em sofrimento, dou um sim, com muitas reservas, à eutanásia.
Finalizo com uma questão, que ainda não vi ninguém responder e que, na minha ótica, é tão importante como o dizer sim…quem seriam os profissionais de saúde a pôr termo à vida das pessoas? Como apenas falo por mim, a minha resposta é “eu não”.

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