Há uns dias atrás saiu à luz do dia, pela primeira vez, uma notícia sobre duas voluntariosas e simpáticas enfermeiras que, para os lados de Miranda do Douro, OFERECEM os seus serviços a troco de comida e casa.
Claro que para a opinião pública em geral, esta acção das duas jovens é vista como algo de extraordinário, como se de um acto de boa-fé se tratasse. Se o serviço público não chega para satisfazer as necessidades de todos, então que haja gente assim para suprir as necessidades
Porque será que os professores não fazem o mesmo? Naquelas aldeias remotas, em que há só um aluno e vão para lá dar aulas a troco de comida e casa? E já que falamos de saúde, a população abrangida por estas duas respeitáveis enfermeiras também deverá carecer de cuidados médicos…porque não vai para lá também um médico nestas condições? Coloque-se lá um desempregado de cada área, que assim supria-se grande parte das necessidades destas pessoas e um cantinho para todos de certeza que se arranjava. E nas horas vagas até podem deitar uma mão na agricultura.
Claro que dizem que as pessoas pagam em géneros. Então vejamos…andamos nós a pagar com o corpinho (sim, que na nossa profissão ainda damos cabo dele), para ao fim do mês recebermos algo (mesmo que uma ninharia) e sobre esse algo descontamos e não é pouco. Chegamos ao fim e mal dá para as despesas de casa e da comida…neste ponto de vista às tantas compensa o que estas duas senhoras estão a fazer.
Mas o que está mal aqui neste cenário? Ou estou eu a ver mal, ou é o de se oferecer trabalho especializado (e para quem é do séc. XIX e ainda pensa que os enfermeiros só fazem o que os médicos mandam, trabalho bem especializado) por tuta e meia.
O que se deve fazer, isso sim, é valorizar o que nós fazemos, mostrar que fazemos algo que tem por trás um enorme sentido de responsabilidade, um conhecimento técnico e científico alargado e específico. E não é a fazê-lo de graça que se consegue isso. O médico no seu consultório também recebe o dinheiro da consulta e às tantas recebe umas galinhas e uns legumes. Mas antes de mais, cobra pelo seu trabalho especializado.
Eu como enfermeiro, contento-me com o receber um salário justo pelo meu desempenho sem os extras…mas nunca me poderia contentar em receber os extras em substituição do salário. Isso não dignifica nem valoriza a nossa profissão, a nossa Enfermagem. E acreditem, temos mão-de-obra da melhor que anda por esse mundo fora. Para quê? Oferecê-la?
E o que me deixa mais indignado? Bem, já não deveria deixar, mas ainda deixa…a Ordem de Enfermagem nada fazer. Uma altura, telefonei para lá devido a um problema que me surgiu num concurso. Tinha sido eliminado de um concurso para a Madeira, porque ao enviar o meu certificado de Licenciado como certificado de habilitações literárias, não enviei o de 12º ano…lógico, penso e, mas na Madeira devem ter pessoas que passam da primária directamente para a universidade. Enfim, nessa altura na Ordem disseram-me que nada podiam fazer, porque não me imiscuíam nos concursos, apenas estão para regularizar e controlar o exercício da profissão. A maneira como somos contratados não lhes interessa, apenas como desempenhamos o nosso trabalho.
Não será este um caso de prática irregular da profissão? De concorrência desleal e descredibilização da profissão? Então porque não agem? Será que, apesar de já ter passado duas vezes, uma na TVI outra na RTP1, ainda ninguém de lá viu? De tão ocupados que devem estar a mandar as cartas para cobrar as cotas e para nos informar de seminários e congressos acredito que não andem a par desta situação. Já nem falo noutras, como o funcionamento no Norte dos hospitais de gestão privada…em que a Ordem sempre fechou os olhinhos apesar dos inúmeros casos vindos á tona…
Mas voltando a estas duas meninas, que não chamo nem chamarei de colegas, na minha opinião a Ordem só tinha uma coisa a fazer…suspender a sua cédula profissional. Ao menos deixavam de fazer de conta que praticam enfermagem…