sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

Assistentes operacionais/auxiliares…o lado invisível do Cuidar


Já muito aqui falei de Enfermagem e de alguns problemas que nos apoquentam, mais questões do “ser” enfermeiro do que no “fazer” do enfermeiro. Para isso creio haver pessoas com voz mais válida do que a minha para o expressar. Mas há algo que nunca abordei e já o deveria ter feito.
Em todas as situações da minha vida sempre tive o máximo respeito pelas pessoas, independentemente do género, profissão, estatuto social etc, que possam ter. E na profissão que abracei, desde cedo aprendi a admirar o trabalho e a dedicação dos assistentes operacionais/auxiliares de ação médica que, lado a lado connosco, fazem com que os cuidados prestados possam ser de excelência.
E o porquê de só escrever sobre isto agora? Mea culpa da minha parte. Há pequenos gestos que, se nos caem bem, devemos ter a noção que também poderão fazer bem à outra parte. E foi um pequeno gesto desses que me fez pegar na “pena”.
Nos anos passados em Espanha, foram praticamente todos os turnos em que ao meu lado apenas tinha as colegas auxiliares. E foram elas, quem nunca esquecerei, que nos meus primórdios na profissão e num país novo não me deixaram desistir. Foram companheiras e companhia de longas noites, foram professoras, foram amigas, foram um pilar que me suportou nos momentos mais difíceis. Muito do enfermeiro que sou hoje devo-o a elas.
Regressado ao país, tive a sorte de me tocar de novo um grupo de qualidade à prova de bala.
É verdade que não precisaria de passar para palavras o respeito que tenho por todas elas (há um ele), creio demonstrar isso em cada dia de trabalho. Às “minhas” queridas assistentes operacionais trato-as por colegas, como faço sempre questão de reforçar diante dos doentes. Não podia ser de outra maneira.
Agora que muito se fala no grito de revolta dos enfermeiros, deixem que vos diga que a minha revolta também é por elas(es). Ganham pouco, muito pouco para o que fazem. Tal como nós, cuidam dos familiares dos outros como se fossem seus. Ajudam a limpá-los e lavá-los, a vestir, a pegar neles. Sofrem das mesmas dores que nós. Além de muitas outras funções para as quais não tenho competências para ajuizar, mas que sei que fazem com qualidade máxima.
Diz-se muito ultimamente que os hospitais não funcionam sem enfermeiros. Não vou por aí. É demagogia. Os hospitais devem funcionar com equipas multidisciplinares, quanto mais coesa for a relação entre os diversos profissionais, melhor o seu funcionamento. Quando quebra um elo, a cadeia fica fragilizada. Quem não percebe isto, pouco conhece dos cuidados de saúde.
De todos os grupos, às tantas os assistentes operacionais são, talvez, a face menos visível dos cuidados de saúde. Mas não para mim, de mim têm todo o reconhecimento e gratidão pelo que fazem. Obrigado!

terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

Um ano...


Um ano Sensei, um ano de ausência e eu ainda com todos os momentos desses tristes dias tão vivos na minha memória, como se os tivesse vivido ontem.
Às vezes penso que tudo não passa de um sonho e que, qualquer dia, entro no Dojo e encontrarei o Sensei, com aquele sorriso e alegria franca que sempre me presenteou quando me via.
Estou…estamos todos a tentar honrar o que construiu. Às vezes tenho receio, receio de não sermos capazes de dar continuidade a um legado extremamente pesado. O Sensei faz falta, muita mesmo. Nem que fosse só pela presença, dava-nos a coragem de enfrentarmos o mundo.
Por outro lado, encaro este desafio com plena confiança que o levaremos a bom porto. Além do sangue familiar que está presente, acredito nos ensinamentos, nos princípios e valores que o Sensei me transmitiu ao longo dos anos. Foi sempre o primeiro a confiar e acreditar em nós, mesmo que meio mundo duvidasse. Moldou-nos à sua imagem, potenciando as caraterísticas individuais de cada um.
Como compromisso com os nossos novos alunos, que não terão o prazer de aprender com o Sensei, iremos sempre relembrar a nossa História. Por nós, pelo que transmitimos dentro do tatami e pelas imperdíveis experiências que passamos e que iremos contar.
A dor diminui lentamente, ao invés da saudade, que aumenta de forma galopante a cada dia que passa. Nós, AKFAFE, estamos vivos, bem vivos, eternamente com o espírito do nosso Mentor presente!
AKFAFE SEMPRE!

terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

A lata dos enfermeiros parte II


A sério Miguel? A minha opinião sobre ti, se tu te permites ter sobre tudo e mais alguma coisa, também me é permitido ter sobre ti…bem, sempre me pareceu que te achas um ser superior aos demais, opinando vários temas com uma humilde altivez, talvez culpa do teu berço de ouro que não te deixa ver com maior clareza. Mas ainda bem que não te conheço nem quero conhecer.
Antes de dizer o que seja, tendo em conta a minha experiência social e profissional, o teu comportamento e postura no “debate” de ontem pareciam influenciados por um qualquer tipo de substância…para o teu bem, espero bem que seja isso. Senão, denoto aí algum tipo de senilidade. Sei que já estás na fase idosa, mas vê lá, o envelhecimento saudável não engloba isso.
Indo ao que interessa, não vou perder tempo a explicar-te o que faço ou o que fazemos. A Enfermagem abrange tantas áreas que o que eu faço pode ser completamente diferente do que faz um colega meu…com igual importância e competência. Mas antes de ires para um direto devias de te preparar um pouco melhor, não aparecendo lá com perguntas, argumentos ou afirmações que nem uma criança de 5 anos, no auge do seu mundo fantasioso, faria. Por momentos, pensei estar a assistir a um programa de stand up comedy.
Falando agora algo mais a sério, fico triste que quando se dê tempo de antena às pessoas para explicar a nossa parte, uma vez que a greve é nossa, venham ignorantes fazer as comparações com outras classes, desvirtuando o debate. Sim, foste tu que puxaste a comparação com a classe médica, aliás, passaste o tempo todo a fazer isso (será que vi um regozijo a tentar rebaixar uma classe?). Eu, nós os enfermeiros, não precisamos de entrar em comparações. Digo-te à boca cheia que todos os profissionais de saúde do SNS ganham pouco. Enfermeiros, auxiliares, fisioterapeutas, médicos etc. Sei que é difícil, mas peço aos meus representantes que tentem não entrar neste jogo.
Quanto aos pesos que em tom de gozo referiste…as minhas dores de costas, dos meus colegas, enfermeiros e auxiliares, apesar de todo o cuidado com a correção postural, não são fictícias. Imagina-te, numa cama, sem forças, um corpo morto, a ter que ser transferido para um cadeirão? Ou pior ainda, imagina-te, doente senil, em que contrarias com todas as tuas forças o que te pedem para fazer?
Sim, não somos a única profissão de desgaste tal como referiste, novamente em gozo, ao abordar a idade de reforma pretendida. Por estarmos a defender isto para nós, não significa estarmos a dizer que não há outras profissões de risco…se as há! A tua de certeza não é. Gostava de te ver dizer isso sobre a idade de reforma dos deputados…ah, por serem seres superiores às tantas já é merecido. Tal como todos os luxos e benefícios, que os fazem viver num mundo aparte do comum dos portugueses.
Mas há outros “pesos” que ignoras (e pior ignorante é aquele que pensa que sabe o que nada sabe) e que pesam tanto ou mais do que o das pessoas que estão a nosso cargo. Porque nós vivemos no mundo real, lidamos, preocupamo-nos e tentamos ajudar realmente as pessoas que temos a nosso cargo. Não precisamos da “pena” saloia que se tem assistido e refletido nos últimos dias na comunicação social, em que de repente toda a gente parece preocupada com o adiamento de algumas cirurgias, quando elas estão adiadas em anos, ou preocupados com os pobres dos doentes que apenas parecem existir quando os enfermeiros fazem greve. Tanta coisa vai mal neste país de terceiro mundo, a começar pela falta de humanismo que comprovo no meu dia-a-dia de trabalho. Sabes, Miguel, sabes onde encontrei as pessoas mais humanas até hoje? Nos hospitais, vestem de branco, verde, azul…e levam esperança por dias melhores a quem já perdeu o seu propósito na vida, a quem sofre do desafeto das famílias e da sociedade, que nada sabe nem quer saber deles. É mais fácil assim, se ignorarmos certas coisas, acredito que durmamos melhor.
MST (soa-me a algo, mas não estou a ver o quê), sinto que somos uma classe mal remunerada, mas ao ouvir-te ontem, num local onde estás a ser pago para lá estar e falar, senti-me muito pior. Erro de casting autêntico. A tua sorte é que não tens pessoas a depender de ti…ainda bem.

https://tvi24.iol.pt/opiniao/comentario/miguel-sousa-tavares-miguel-sousa-tavares-comer-a-conta-do-estado-do-contribuinte-e-um-grande-negocio

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

A batalha das batalhas



Hoje comemora-se (será que é a palavra mais adequada?) o dia Mundial da Luta Contra o Cancro. Apesar de estarmos no arranque do século XXI, quase a chegar ao quarto de século, ainda muito falta por descobrir para que esta luta não seja tão desigual e este nome não seja uma sombra que paira, alguma vez na vida, sobre nós.
Já perdi muitas vidas para esta doença, das minhas, daquelas que me viram nascer e crescer, mas também daquelas que me foram confiadas e que, não sendo minhas, acabaram por sê-lo de alguma forma.
A nível pessoal, foram perdas irreparáveis, daquelas que deixam larga saudade e um sentimento de impotência ao ver a despedida, lenta e dolorosa, de quem me era próximo sem nada poder fazer para o impedir.
Mesmo sendo conhecedor dos limites da ciência, mesmo sabendo que nem todo o dinheiro do mundo serviria para alguma coisa, custa ver a partida anunciada de que nos é querido.
A nível profissional, lidar com o doente oncológico já fez mais parte do meu dia-a-dia do que faz atualmente. Porém, é algo que estará sempre presente. Posso dizer que, muito mais além da parte do tratamento, da paliação ou do conforto a prestar, muitas destas pessoas que passaram pelas minhas mãos fizeram-me crescer enquanto ser humano.
É impossível ficar indiferente. Sem pena, não confundamos os sentimentos. Meio a brincar, quando ouço um “tenha pena de mim Sr. Enfermeiro” sempre digo aos meus doentes que não estou lá para ter pena deles, mas sim para tentar que eles não tenham esse sentimento em relação a eles mesmos.
Foram muitas as histórias que ouvi de doentes com o fim da vida anunciado. Histórias que me levaram a percorrer Espanha, Hungria, Polónia, Portugal, das colónias a “outras” Áfricas, entre muitos outros sítios. Muitas delas guardo-as nos confins da minha memória, outras peço desculpa pelo tempo as ir apagando.
Porém, tenho por todas as pessoas que passaram e passam por mim no meio desta luta um enorme respeito, admiração e gratidão. Modificaram e modificam a minha maneira de ver e pensar a vida.
O maior tributo a todas as vítimas do Cancro será a descoberta da sua cura. Até lá, continuarei a minha missão de os apoiar e cuidar quando for caso disso. E, acima de tudo, de os escutar e aprender com eles.