sábado, 29 de dezembro de 2018

2018, com todo o carinho, despeço-me de ti




Meu caro ano de 2018, peço-te desculpa pelo que vou afirmar, mas não há forma de dizer que foste um bom ano. Entre as coisas boas e as más, o peso destas últimas foi demasiado grande para poder ser de outra maneira.
Começaste cinzento, muito cinzento, com algo que te marcou pelo resto do tempo…ainda marca e continuará a marcar.
Há vários tipos de despedidas…as do dia-a-dia, às pessoas com quem lidamos diariamente, aquelas a que, porventura, menos importância damos. Há as despedidas de pessoas que sabemos que só voltaremos a ver daqui a muito tempo, daquelas cheias de saudosismo. E há aquelas despedidas, a que mais damos valor, um doloroso valor, que são para sempre.
E é nestes momentos que nos apercebemos da importância dos “até amanhã” ou dos “até logo” que dizemos a diário, quase sem os sentirmos, com uma displicência que a (falsa) certeza que temos de os voltar a dizer nos dá.
Ficas marcado, indubitavelmente, por me teres levado uma das pessoas mais importantes, daquelas com quem mais cresci, que mais ajudou a forjar o meu carácter e a quem muito devo. Só não fico chateado, porque creio ter sabido, ao longo dos anos, demonstrar todo o respeito, afeto e gratidão que tive e terei sempre pelo meu Mestre.
Foi um ano em que concluí mais um desafio no âmbito profissional, talvez aquele mais desafiador e difícil, mas ao mesmo tempo cativante. Além dos colegas de curso, conheci profissionais que me orientaram de uma maneira que apenas tenho que agradecer. Excelentes enfermeiros, que me dão a certeza que a luta que travamos é mais que justa. Quer os meus orientadores, quer os colegas dos serviços por onde passei, receberam-me como se fosse mais um da equipa, algo fundamental para levar a bom porto e com a motivação em alta este percurso.
Com estas duas experiências cresci, uma fez-me crescer pessoalmente, ao ter que levantar a cabeça rapidamente para dar continuidade a uma obra que não pode parar. Com a outra cresci profissionalmente, realçando-me a importância da qualidade de vida que podemos dar aos anos em que vivemos.
De resto, continuo a fazer o que gosto e quero junto dos meus doentes, contínuo a tentar dar um pouco de mim às crianças que me são confiadas, tudo isto no calor da família e dos amigos.
Para o Novo Ano, não posso pedir muito mais, pois já passei muito tempo privado do que hoje faz parte do meu quotidiano. Que assim continue e que daqui a um ano possa ter as pessoas que me são próximas junto a mim.
A todos os meus familiares, a todos os meus amigos, a todos os meus colegas, a todos os meus alunos e companheiros na Arte, desejo que tenham a capacidade de ir atrás e de cumprir os vossos sonhos. Se não estamos bem, a mudança que precisamos fazer está em nós, nunca no acaso da vida e nos outros. Temos que assumir a responsabilidade pela nossa felicidade, dar oportunidade e fazer com que ela aconteça.
A todos vós, obrigado por me acompanharem nesta aventura que é a vida e um Feliz Ano de 2019!

domingo, 16 de dezembro de 2018

O crime de ser enfermeiro


Esta semana parecia ficar marcada pelos ataques cada vez mais cerrados duma ministra sem escrúpulos, mentirosa e manipuladora, refugiada numa comunicação social alarmista, sensacionalista e pouco preocupada com os factos.
Porém, aconteceram duas situações daquelas que, de tão injustas, deviam de estar proibidas de acontecer.
Começo pela queda do helicóptero no dia de ontem. Preparava-me para sair de casa quando começaram as notícias sobre o desaparecimento da aeronave. Tive logo um mau pressentimento, que mais tarde viria a confirmar.
Acidentes acontecem todos os dias, ninguém está livre deles, mas acontecer a quem está em serviço, serviço que consiste em salvar vidas…não se faz. Toda a tripulação morreu em prol dos outros, como se fossem anjos em asas.
Daniela, não te conhecia, nunca tinha ouvido falar de ti, tal como muitos outros colegas que hoje choram a tua partida. Mas sei que és das nossas, não tenho a menor dúvida. Se há quem nos apelide de criminosos, apenas te deixo com um sincero e singelo “obrigado” por tudo, um tudo que são poucos a saber a sua verdadeira dimensão.
Sou enfermeiro e adoro o que faço. E se há algo que me deixa completamente realizado é ver a recuperação dos doentes. É para isso que lá estamos, mas nem sempre é possível.
Há umas semanas atrás o “Sr. J” abandonou o serviço após um período connosco. Saiu bem, pelo próprio pé, um senhor muito diferente daquele que tinha chegado até nós. Apesar do pensamento algo confuso que o acompanhava diariamente (como me fazia rir com aquela necessidade de adquirir sempre mais um determinado objeto), era um homem de bom coração, sempre com uma palavra de apreço, que me disse um dos “eu confio em si” mais sentidos que ouvi até hoje.
Saiu do serviço com uma promessa, que iria ver se o seu grupo onde tocava estava operacional e que iria vir à nossa festa de Natal para participar nela. Caso não estivesse a funcionar, viria ele na mesma. Ainda me lembro do sorriso com que nos deixou naquele dia e com a pele de galinha com que fiquei, característica minha nestas despedidas.
Quando me vieram falar do “Sr. J” esta semana, pensei que me iriam dizer “Ele vem à festa”…mas em vez disso, apanhei um murro no estômago. Sei que ficou impossibilitado de cumprir a sua promessa, que acredito que cumpriria. Nesse momento, e ainda inebriado pela violência do choque, revivi muitos dos momentos em que, durante um mês, trabalhei, convivi, chateei-me, sorri ou ouvi o “Sr. J”.
Com a devida distância profissional, considero que apenas conseguimos chegar aos doentes com afeto, sendo ele expresso das mais diversas maneiras. Por isso, estas partidas inesperadas sempre me abalaram um pouco, fico mais pobre com cada uma delas. Talvez seja por isso que me considerem uma pessoa cruel, um criminoso, talvez dos da pior espécie. Mas voltaria a cometer os mesmos crimes que tenho cometido, principalmente o de me ter tornado enfermeiro.
Daniela e “Sr. J”, descansem em paz, até um dia!

quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

A cruel passagem do tempo



14 anos, 14 longos anos…não imaginas o esforço que faço para manter viva a tua presença.
A imagem é-me mantida pelas inúmeras fotos, desde tenra avó até que te tornaste na mais sapiente delas todas. O que sempre foste, com ou sem experiência, foi atenciosa, carinhosa, uma cuidadora cuidadosa, devotada à família.
Da tua voz vou perdendo o som, tentando lembrar conversas longínquas que parece que tivemos ontem.
Do teu calor e do teu cheiro já não tenho ideia, bem tento, mas não recordo. Maldita memória que me atraiçoa.
O que não esqueço é o sentimento de segurança e de paz que me davas. Quando pequeno, o teu colo era porto de conforto, quando já crescido eras a voz da experiência cuja presença me tranquilizava.
Sei que não eras perfeita, mas na tua imperfeição foste a avó perfeita. É em ti, na tua maneira de ser, que baseio a forma em como cuido dos outros. Não me viste a tornar-me enfermeiro, na altura em que partiste ainda era um projeto muito fraquinho e inseguro do que seria. Das últimas imagens que tenho, eram as minhas visitas ao hospital para te ver em que tu dizias às tuas vizinhas de quarto que eu era enfermeiro…e eu cheio de medo em que alguma das enfermeiras te ouvisse! Já me questionaram o porquê de ter escolhido este caminho, ao que respondo que desde cedo tive essa ideia. Agora o porquê de a ter, cada vez mais tenho a certeza que foi por tua causa.
Estranha vida esta, quando precisaste não estava preparado para cuidar, agora que me sinto capaz já cá não estás. Acredito que fosses gostar no enfermeiro em que me tornei, pelo menos assim gosto de pensar.
Saudades são muitas, talvez a única coisa que me fizesse querer voltar atrás no tempo seria sentar-me uma última vez no teu colo, eu pequeno num dos lugares mais seguros do mundo.
Beijinho do teu neto