Recentemente foi alvo de discussão no Parlamento um
projeto de lei sobre crimes contra os idosos, entre os quais o abandono. Quando
se fala em abandono, falamos da triste realidade do abandono hospitalar, em que
as pessoas são “entregues” nas instituições, delegando-se no Estado a decisão
sobre o futuro delas.
A proposta foi, talvez de forma surpreendente,
chumbada. A meu ver é uma decisão aceitável e creio que fundamento a minha
opinião de forma racional e não sentimental, com sentido de justiça e ético.
À primeira vista, se vivêssemos num mundo lógico,
seria o primeiro a bradar aos céus o chumbo deste projeto de lei. Claro que sou
contra o abandono dos idosos, claro que acho que deve haver lei a proteger as
pessoas que estão em situações de maior fragilidade. Agora, antes de se
criminalizar o que quer que seja, tem que se definir muito bem o que estamos a
falar.
O que se considera por abandono? Quando se considera
abandono? Os motivos que o suscitaram? Estas questões e muitas outras podem e
devem ser colocadas para se tentar perceber um pouco a magnitude da questão.
Isso e colocarmo-nos no lugar dos outros.
Como profissional de saúde, considero a
criminalização do abandono um pau de dois bicos. Pode, hipoteticamente, levar a
uma menor taxa de abandono de idosos. Porém, levará de certeza a uma
desresponsabilização por parte dos profissionais quanto ao assegurar uma
solução segura para o idoso, passando a pasta para as famílias, seja intra ou
extra hospitalar. Prefiro ter problemas e andar até à última para arranjar uma
solução, que ter na mão o poder de dizer à família “resolvam, senão vão presos”.

E de que têm medo as famílias? Que não tinham há anos
atrás em que se cuidava dos mais velhos. Para explicar isto aprofundadamente, é
preciso uma discussão alargada do problema.
Em primeiro lugar, a mudança do papel da mulher na
sociedade, antes cuidadora de filhos, pais e sogros, hoje trabalhadora com todo
o direito. Fato que não interfere apenas com a educação dos mais novos, mas também
com outras importantes implicações.

Em terceiro, como obrigar alguém a cuidar dum pai ou
mãe que nunca o foram durante toda a vida? Nem toda a gente teve bons pais para
se verem obrigados a serem “bons” filhos.
Em quarto, quinto, sexto e podíamos seguir, não
faltarão “ses” para colocar em causa o que nos pode parecer tão evidente.
Claro que há respostas a nível social que atenuam o
efeito duma situação destas no seio familiar. Algumas reais, algumas
imaginárias, algumas demoradas, algumas que nunca acontecem…é aqui que eu
considero haver muito caminho para desbravar, numa sociedade gradualmente mais
envelhecida. Faltam respostas rápidas, eficazes e palpáveis, que garantam
segurança e conforto, quer aos idosos quer às suas famílias.
O que eu acho que deve haver é uma reeducação sobre
as responsabilidades quer das equipas interdisciplinares, quer da família.
Reforçar que é o trabalho conjunto das duas que permitirá encontrar a melhor
solução para a pessoa dependente.
