Vivemos uma época em que os corpos se despem com uma facilidade assombrosa, em vários contextos do dia-a-dia.
E eu, por vias do meu trabalho, vejo a natureza
humana diariamente, forçada sempre por uma condição de doença. Muito diferente
do que se assiste nas redes sociais, na praia, na rua ou onde for. Corpos
ausentes da beleza de outros tempos, marcados pelo passar dos anos, corpos
carregados de experiências de vidas, muitas delas duras, corpos lesados pelas
mais variadas doenças ou lesões.
Contudo, o que mais me toca no lidar diário com os
meus pacientes é a simplicidade com que eles despem as almas perante
desconhecidos. Fazem o que a maior parte das pessoas tem renitência em fazer.
Numa idade avançada, com limitações que nos fazem depender de alguém, as
pessoas que nos cuidam ganham um papel relevante. É essa a beleza que sinto ao
cuidar de alguém, a confiança que pessoas que nos são estranhas depositam em
nós.
Creio que é a empatia que geramos que nos faz ganhar
o respeito e o crédito dos nossos doentes, muitas vezes logo no primeiro
contato. E é aí que, mais que cuidadores, nos tornamos confidentes…de vidas
passadas, de tragédias familiares, de alegrias desfeitas pela linha da vida, de
cicatrizes marcadas por ferros em brasas. Muitas vezes, vivemos o drama de quem
vê a perspetiva do regresso a casa, aquele porto seguro que todos gostamos de
voltar ao fim do dia, como o regresso ao inferno. É o ser enfermeiro que me
permite ter a real noção que em pleno século XXI ainda há muita gente a viver
em condições do século XIX. Surreal, mas real.
Numa sociedade cada vez mais fútil, é curioso o
contraste entre a facilidade com que mostramos o nosso exterior e a dificuldade
com que nos revelamos a alguém. Será que cremos que o que aparentamos vale mais
do que o que somos? Será que só damos valor ao que realmente importa quando
envelhecemos? Não esquecendo que o fazemos cada dia que somamos ao ciclo da
vida.
Por tudo o que referi, vou perdendo medo a
envelhecer, aceito o passar dos anos com naturalidade, receando mais as
limitações que as rugas, o tempo perdido que as dores ósseas.