Sou enfermeiro quase há 4 anos, apesar de ter acabado o curso há 5. Digo isto, porque não foi estar na posse do cartão azul que me fez sentir enfermeiro.
Só me senti enfermeiro de verdade, depois de vestir o uniforme naquela manhã do dia 15 de julho de 2008, ao sentir o peso da responsabilidade de ter vidas humanas nas minhas mãos. Tremi, suei, desesperei, andei completamente perdido, não apenas por me iniciar na profissão, mas também por ser um país e um serviço desconhecidos, tal e qual como a língua.
Hoje, ando alegre a “passear” pelo serviço, sem qualquer tipo de ansiedade, consigo parar uns minutos para uma conversa coerente ou incoerente, consoante o interlocutor que tenho à minha frente, sem pensar que estou a atrasar o meu trabalho (se não saio as 8h saio ás 8.30h ou as 9h, não morro por isso…pode-se dizer que é uma hora em que faço voluntariado).
A maior parte dos meus doentes sofre de uma doença para a qual ainda não existe cura. Chama-se idade…ela acarreta consigo coisas como solidão, abandono familiar, incapacidades e degenerações físicas e mentais, angústias, medos…medo, muitas vezes medo que o fim esteja próximo.
Claro que há muitos idosos que chegam a idade avançada num estado que lhes permite manter uma autonomia muito boa, mas não é o caso dos meus “velhinhos”.
É incrível como às vezes um “Olá, como estás?”, que não se pode dizer que é dar atenção a alguém, é recebido como se fosse o melhor que a outra pessoa recebe em todo o dia.
Às vezes chateio-me com eles, às vezes tenho que ser algo mais “duro” com eles, sempre no sentido de tentar manter a sua independência ao máximo. A solidão é muitas vezes acompanhada por um falso mimo, que significa apenas uma coisa “Estou aqui, olha para mim, não te esqueças de mim!”
Durante os estágios da universidade, uma das críticas que sempre me fizeram foi de não me relacionar bem com os doentes, de ser muito calado. Admito que sim, que quando tinha um professor ou um enfermeiro orientador comigo ficava mais calado. Porquê? Talvez com medo de dizer algo que não devesse. Mas de certeza que essa avaliação que faziam de mim, não era fundamentada em nenhuma opinião dos doentes.
Eu lido todos os dias com pessoas doentes. Eu brinco e meto-me todos os dias com essas mesmas pessoas. Já me chamaram de palhaço…de parvo (espero que no bom sentido)…de imbecil (também espero que no bom sentido…se é que o pode ter)…mas podem-me chamar o que quiserem, que enquanto eu continuar a conseguir colocar no rosto dos meus doentes um sorriso sincero, um sorriso que só por si agradece qualquer coisa que eu lhes faça, seguirei a ser assim. Admito, na minha opinião, se fosse como sou em todos os estágios que fiz, de certeza absoluta que chumbava a todos. Ou pensam que se põe um doente a sorrir, a rir ou às gargalhadas com piadas secas ou conversas sobre o tempo?
O sorriso mais difícil de conseguir e que maior satisfação me dá, por exemplo, não é o de uma rapariga de quem eu possa gostar. Nenhum sorriso tem mais valor que o de uma pessoa que vive com dores, que vive desanimada, que vive os últimos dias da sua vida, que vive presa a uma cama ou a uma cadeira de rodas. São sorrisos que trazem alguma alegria a rostos tristes pelo peso do passar dos anos.
Claro que é preciso ter bom senso e nunca esquecer a velha máxima “mais vale cair em graça que ser engraçado”. Cada doente é único e cada um tem uma aceitação das brincadeiras diferente dos outros. A alguns podemos dizer uma piada mal chegam ao serviço, outros é preciso ir com calma. É preciso avaliar…é preciso adaptarmo-nos a cada um deles para conseguirmos usar da melhor maneira uma das melhores terapias que (re)conheço…o sentido de humor!
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