A situação da Enfermagem em
Portugal não está bem, como não estão bem muitas outras profissões…aliás, o
país não está bem. A culpa? Não é dos enfermeiros, não é dos professores, não é
dos empregados têxteis, não é das pessoas de hotelaria, não é dos médicos nem
engenheiros…a culpa é do desgoverno eterno deste país à beira mar plantado e de
nos terem feito crer que, numa determinada altura, podíamos ter mais do que
realmente podíamos.
Porém a situação da minha
profissão, a meu ver, é mais complicada. E passo a explicar.
É sempre mais fácil quando a frente
da batalha é comum, quando há algo que une toda a gente e os leva para a
guerra. Isso é tudo, menos o que passa em Enfermagem. Todos reclamam, nenhum
pelo mesmo.
Eu, e muitos milhares, desde que
acabamos o curso, vimos a reclamar uma oportunidade de trabalhar no nosso país.
Não daquelas de trabalhar de graça ou quase de graça, a falsos recibos verdes,
a milhentas horas semanais. Não, não somos supra exigentes, apenas pedimos
condições minimamente dignas. Aliás, ao emigrar e não aceitar estas míseras
condições, somos os primeiros a exigir mais dignidade no tratamento à nossa
profissão. Acredito que se isso acontecesse, muitos que estão emigrados, mesmo
tendo melhores condições fora do país, voltariam porque o dinheiro ainda não
paga tudo.
Neste momento, somos apenas números
que servem para passar uma imagem de coitadinhos e somos uma espécie de tomates
podres para atirar ao governo. A verdade é que somos um fardo e ainda bem que
já não estamos no país. Já não entramos para nenhumas contas. Esta seria uma
das frentes da batalha, que podia juntar à luta milhares de combatentes…mas não
interessamos, então pedimos que nos deixem de usar como arma de propaganda.
Depois há outras reivindicações,
estas das pessoas que trabalham em Portugal. Mesmo aqui não encontramos uma
luta comum. Primeiro, porque há enfermeiros do público e do privado (também há
os parceiros público-privados), há filhos e enteados. Os primeiros estão mal,
mas os segundos estão piores. E seria tão fácil regulamentar as questões
contratuais e salariais, bastando haver vontade das entidades competentes. Aqui
em Espanha, o privado, pagando muito ou pouco, tem acordado com os sindicatos
todos os tipos de contrato. Nenhum se atreve a pagar abaixo do que foi acordado,
nem a não pagar todos os direitos aos trabalhadores. Os enfermeiros do privado
em Portugal não reclamam das 40h semanais nem das melhorias contratuais e
salariais. Alguns deles queriam era trabalhar as 40h semanais, ter um contrato
e um salário um pouco digno. Claro que a culpa destas propostas é de quem as
faz, mas também de quem as aceita. Não venham com a desculpa que é o desespero
de querer trabalhar e ganhar algum (que nem para as viagens dá). Muitos o fazem
porque querem ficar perto de casa, junto de amigos e familiares (aquilo que
quem emigra abdica).
Depois há outros focos de batalha,
mas mesmo entre os trabalhadores no sector público, há a questão dos filhos e
enteados. Mas neste caso a luta ganha contornos comuns, porque o que beneficia
uns, cedo ou tarde beneficiará os outros. Posso estar errado, porque é o foco
em que menos estou à vontade, uma vez que nunca o vivi.
Uma das principais lutas, além das
melhorias salariais (luta sempre justa), é a luta pelas 35 horas semanais. Acho
muito bem, tendo em conta os motivos apresentados, o desgaste físico e
psicológico extremo da profissão e maior disponibilidade para ter tempo de
qualidade com a família. Agora convém esclarecer que é mesmo por estes motivos
e não para se ir fazer umas horas extras (ou turnos completos) noutro sítio
qualquer. Porque sendo a nossa profissão tão extenuante como é (seja privado ou
público), como há colegas a sair de um turno de 8 horas ou mais e a engatar
logo noutro de 8 horas ou mais? Já não é extenuante? Mais importante, estarão
assegurados os cuidados aos doentes como deve ser? Não acredito. Além que vi
pessoas destas a descurar um turno porque ainda iam ter que fazer outro noutro
local. Um pouco de coerência exige-se, apesar de saber que muitos lutam pelas
35h devido aos motivos atrás referidos.
Mas ainda há mais focos de batalha,
hoje em dia com os novos enfermeiros especialistas a exigirem o seu
reconhecimento no mercado laboral. A minha opinião sobre este assunto é a
seguinte (já escrevi um texto aqui sobre isso)…com o panorama atual da
Enfermagem, em que um especialista trabalha numa área que não tem nada a ver
com a especialidade, ganha o mesmo e tem o mesmo nível de responsabilidade…a
especialidade tem valor 0 a nível profissional, a nível de conhecimentos e
capacidades adquiridas (a nível de capacidades apenas para os que trabalham) terá muito mais que esse valor. Para as especialidades
terem valor, teria que se fazer como os médicos, sempre tão inimigos da
enfermagem, mas que resolveram estas questão de uma forma muito simples e
inteligente. Quem acaba o curso tem que tirar especialidade e vai trabalhar na sua
área.
Ainda quanto às especialidades,
exige-se ainda maior reconhecimento a nível de concursos, mas aqui a porca
torce o rabo e eu o nariz. Há enfermeiros especialistas que eu os reconheço
como verdadeiros especialistas (alguns com especialidade e outros sem ela) e
outros que são especialistas da teoria. Como se pode dar muito valor a algo que
hoje em dia perde valor a cada dia que passa? Que se oferece em muitas
universidades? (novo meio de ganhar dinheiro) Muitos colegas acabam o curso e
tiram logo especialidade (ideal num sistema como o dos médicos), com experiência
profissional de 0 horas, estarão mais aptos para desempenhar funções que um
enfermeiro generalista com anos de prática e perícia? Eu sei a resposta, mas deixo
a questão.
Há entidades responsáveis por nós que apenas se
preocupam com o dinheiro que temos que pagar, por muito que digam que não são
cargos remunerados. Há outras maneiras de usufruir das coisas. Quem o
desconhece, ou não vive neste mundo ou quer encobrir algo. Enquanto isso,
andamos à deriva como o resto do país…