domingo, 24 de setembro de 2017

A vida é feita de decisões

Não sei se será defeito ou qualidade, mas uma das coisas que pauta a minha vida é a certeza do que quero e do que não quero. Mesmo quando as decisões são difíceis, com muitas mudanças em jogo, se é algo que eu quero ou não quero sei bem qual vai ser a resposta.
Foi isso que me guiou em duas das decisões mais difíceis que tive de tomar. A primeira delas há pouco mais de nove anos, quando me chamaram para trabalhar em Pontevedra. Era jovem, com curso acabado há um ano e um sonho por cumprir. Talvez não fosse um sonho, antes um objetivo. Seria hipócrita se dissesse que gostava da Enfermagem logo após acabar o curso, não o sabia e tinha muitas dúvidas se conseguiria ser enfermeiro. Mas tinha que o saber, após anos de estudo e de sacrifício dos meus pais.
Desse modo, ao receber a chamada, sabendo que aquela era a única saída dignificante naquele momento, prontamente disse que sim. Sabia que esta resposta iria tirar-me da minha zona de conforto, que iria proporcionar-me o maior desafio da minha vida. Sabia que me ia fazer perder, sem saber o que ia ganhar.
E assim foi, novo trabalho, nova cidade, novo país, novos costumes, nova língua. Uma experiência que eu esperava ser curta, durou pouco mais de sete anos. Anos em que cresci como nunca tinha crescido antes, em todos os aspetos da minha vida. E passados todos esses anos, quando talvez menos o esperasse…uma nova chamada.
E tal como sete anos antes, pouca hesitação na hora de dizer que sim, pois estavam outros sonhos por cumprir. Mas desta vez, apesar da certeza que tinha, custou muito mais. Primeiro, por abandonar o lugar que, longe de ser um sítio de trabalho fácil, me ensinou a amar a Enfermagem, que me ensinou a amar cuidar do próximo. Segundo, por abandonar as pessoas que mais de perto me acompanharam nesse tempo todo. Pessoas que vi no seu olhar surpresa e tristeza por eu sair, mas a alegria por saberem que eu ia atrás do que eu queria. Acho que é assim que vemos as verdadeiras amizades, quando se priorizam os sentimentos em função da felicidade dos amigos. As lágrimas que me caíram e que escondi, faz hoje sete anos, ao sair do meu último turno em Santa Maria, foram de profundo agradecimento por tudo o que aquele lugar me deu e, sem falsas modéstias, por reconhecer também o muito de mim que lá ficou.
Santa Maria será sempre uma das minhas casas, um local ao qual regresso sempre que posso para recordar pessoas e experiências que me fizeram ser a pessoa que sou hoje.
Faz hoje dois anos, que finalizei uma etapa da minha vida e iniciei outra. Fase esta que tem sido pautada pelo amadurecimento pessoal e profissional, dando-me ainda mais certezas do que gosto, do que quero e do que não quero na minha vida.
Ter estado fora de Fafe mais de um terço da minha existência faz-me gostar ainda mais da minha terra. Por saber que não é o centro do mundo, por saber que as importâncias do meio são insignificantes no decorrer da vida no resto do mundo, por saber que há lugares com muito mais que oferecer. Ter consciência disso, faz-me saber estar no meu sítio, dar o meu contributo em tudo o que faço, mas sem me colocar em bicos de pés.
Há dois anos regressei, não porque fui obrigado, mas porque quis. Um regresso ao conforto do meu lar, mas sem nunca esquecer que há muito mundo por descobrir…e muitas decisões para tomar sem hesitar.


(a música que traduz o sentimento pelo qual sempre tive vontade de regressar)

segunda-feira, 18 de setembro de 2017

O último suspiro

Sou enfermeiro, sou duma classe de profissionais que estão presentes na vida de todos os utentes/doentes do nascer ao morrer.
Eu próprio já tive a possibilidade de assistir a esse maravilhoso (para alguns) momento que é a vinda ao mundo dum novo ser. Estava eu em estágio, assisti a dois partos, uma experiência que ainda hoje guardo na memória como se tivesse sido ontem.
Pelo contrário, foram já muitas as vezes em que assisti ao fim da vida, sendo o muito sempre uma palavra tão relativa…é muito para quem nunca assistiu a tal momento, será pouco para quem diariamente vê isso acontecer. Mas foram algumas.
Antes de prosseguir, reitero que tudo o que escrevo aqui, seja de que tema for, é a minha visão, a minha opinião ou a minha maneira de sentir as pessoas, os momentos ou as coisas. Poderá e não será a de outras pessoas.
Não escapando ao ciclo natural da vida, já perdi pessoas como quase toda a gente. Já vi falecer todos os meus avós, perdas muito sentidas, perdas pungentes, perdas muito saudosas. Foram partidas físicas, mas também de todas as lembranças dos momentos vividos anos a fio. Porém, foram experiências que nunca me prepararam para as perdas profissionais. Nem estas para as pessoais.
Há dois anos mudei de serviço, há mais de dois anos que não me morre um paciente. Contudo, essa não foi a minha realidade durante sete anos. Durante esses anos, já não sei dizer ao certo quantos doentes vi morrerem. Uns cujo fim era esperado, outros em que não o era.
Lembro-me, ainda hoje, das feições e do nome do primeiro paciente que perdi. Lembro-me do que foi feito, em vão, para o impedir. Foi o primeiro último suspiro que vi. Foi a primeira vez que senti o calor humano transformar-se num frio gélido, foi a primeira vez que vi olhos cheios de vida transformarem-se num olhar vazio.
É muito diferente apenas vermos um corpo inerte de vermos um corpo passar dum estado de vida para um estado de inércia. Não consigo encontrar palavras para explicar o que se sente, ou melhor dizendo, o que sinto. Há quem diga que uma pessoa se habitua. Talvez nos habituemos a ver cadáveres, agora a ver o momento exato em que a vida acaba, acho que não há quem se habitue a isso.
Não acredito em fantasmas, mas muitos dos pacientes que perdi (alguns deles com anos de convivência) vaguearam pelos meus sonhos, pelos meus pensamentos quando acordado, pelas minhas lembranças. Não sendo meus familiares, cada um deles significou para mim uma perda, por muito que as lágrimas não tenham caído. Assisti ao último suspiro de familiares de outros, esse é, talvez, o maior fardo que tive que suportar.
E não, não há nenhuma cadeira na Universidade que nos ensine a lidar com a morte dum paciente e com todos os sentimentos inerentes a ela. E não, não temos um botão “On/Off” que nos permita desligar os nossos pensamentos/sentimentos quando entramos ou saímos do local de trabalho.

O Jorge enfermeiro é o mesmo que no dia-a-dia se dedica de corpo e alma àqueles (e àquilo) de quem gosta e ama. Mas, cada vez mais, a minha profissão molda a minha maneira de ser e agir. Por muito que diga que não trago trabalho para casa, e acreditem que tento fazer por isso, é impossível que muito do que sinto e passo no meu trabalho como enfermeiro não me acompanhe para fora daquelas paredes. 

segunda-feira, 11 de setembro de 2017

Parabéns rapaz grande :)

Há 2 anos atrás, neste dia, tive a certeza que o meu tempo em Espanha estava a acabar. Fazias tu 3 anos, eu tinha vindo aqui apenas uns dias antes e tinha dito à tua mãe que não podia ir à tua festa de anos.
Só que chegou o teu dia, saio de fazer noite e fiquei a pensar…tu não ias voltar a fazer 3 anos. Fui dormir com a certeza do que faria ao acordar.
Acordei e pus-me a caminho, a caminho da tua festa e a caminho do calor da nossa família, mesmo sabendo que no dia seguinte teria que voltar. Ao chegar, o abraço que demos fez-me querer ficar, o largar-te fez-me apertar o coração de angústia.
Pouco tempo depois regressei de vez, para tentar recuperar o que não tive durante os anos fora. Com o abraçar de novos projetos/desafios nem sempre me é possível estar contigo o tempo que quero, mas agora, quando estamos juntos, não há o pensamento que nas horas ou no dia a seguir terei que abalar.
Hoje fazes 5 anos, apesar de ter ido trabalhar conseguirei ir a tua casa dar-te os parabéns. Não imaginas o que uma coisa tão simples significa. Ter qualidade de vida, acima de tudo, é poder ter estes pequenos momentos, por isso exijo tão pouco à vida. Não é falta de ambição, é saber que tenho o que já me vi privado de ter.
Estás um rapaz grande e espero continuar ver-te a crescer, sempre saudável e tão enérgico.
Hoje o dia é teu, espero que estejas a ter um feliz aniversário…até logo meu querido João!

Beijinho de parabéns do Padrinho.