Muito se tem discutido sobre a eutanásia nos últimos
dias, temos ouvido e lido diversas opiniões de ambos os lados e todas me
merecem o devido respeito. O único senão é que não me parece que seja um tema
para tantas certezas, seja de que parte for.
Eu pelo menos não as tenho, consigo arranjar prós e
contras para qualquer uma delas.
Já vivi situações que me fariam concordar,
como também já passei pelas situações que me fariam pensar o contrário.
Acho que, acima de tudo, temos que contextualizar a
eutanásia e contextualizar o país em que estamos.
Primeiro, uma das ideias que me parece muito presente,
é que a eutanásia vem para “exterminar” as pessoas em fim de vida, sem
perspetivas de cura. Aqui entram em cena os que defendem (e muito, muito bem,
tal como eu defendo) os cuidados paliativos. Acredito piamente que com cuidados
paliativos de qualidade é possível proporcionar um fim de vida digno a quem vê
o seu tempo chegar ao fim devido a doença. Aqui entram em cena os que dizem que
há situações que não há assistência que valha a quem está em tal posição de
forma a mitigar o seu sofrimento. Não discuto, não sou especialista na área,
nem nunca trabalhei num serviço especializado em paliação.
O grande cerne da questão, nesta área, é a tal
contextualização do nosso país. Temos um país que permita a todas as pessoas em
fim de vida e em sofrimento ter acesso a este tipo de cuidados? Não, não temos.
Temos que lutar por isso? Claro que sim, acho fundamental a existência duma
rede de cuidados paliativos de qualidade que abranja todo o país, de modo a dar
resposta a todos os casos. Nova pergunta, alguma vez iremos chegar a esse
ponto? Não gosto de futurologia, penso que não, mas não o posso afirmar.
Contudo temos um problema, até que esse dia seja
palpável teremos muitas pessoas a falecer em sofrimento. Infelizmente, imagino
que haja muitos doentes a ter uma morte pouco digna por este país fora, seja em
situação de doença terminal ou aguda.
Já trabalhei num serviço (fora de Portugal) que não
era de paliativos, mas que recebíamos doentes em fim de vida. Alguns casos
conseguíamos dar uma resposta adequada, noutros não e quando tentávamos enviar
os doentes para um local mais apropriado eram-nos fechadas as portas. Diziam
que não havia camas ou não valia a pena, que os poucos recursos que tínhamos eram
suficientes…não o eram. Aprendi a lidar com dois tipos de morte, a digna e
aquela pela qual espero um dia não passar...reformulo, com esta não consegui aprender a aceitá-la.
Depois temos os outros casos, casos extremos que quem
fala em cuidados paliativos parece esquecer que existem. Os tais em que a
pessoa decide que não quer viver mais na situação em que se encontra, como são
os casos, só como exemplo, das tetraplegias. Aqui é que
esbarramos num muro de crenças que, a meu ver, deve-se deitar abaixo. Podem ser
até situações em que não haja sofrimento físico...mas todos sabemos que não
existe apenas esse. Eu, Jorge, pessoa autónoma, com família, amigos, trabalho
etc, digo neste momento que não quereria viver numa condição em que apenas
pudesse mexer a minha boca ou os meus olhos. Seria uma mente presa num corpo
morto. E são estes casos, acima de tudo, em que acho que apenas quem passa por
eles sabe verdadeiramente a agonia em que vive, que deviam de ter o direito a
ter outra opção. Porque quem sou eu para dizer que os meios existentes para
ajudar um tetraplégico são suficientes para acabar com o sofrimento em que
vive? Além que todos sabemos que pessoas nestas situações com os meios dum
Christopher Reeve ou dum Stephen Hawking são raras.
Quero deixar aqui a salvaguarda que ninguém com uma
depressão amorosa ou algo parecido se inclui nos critérios para a eutanásia. Um
dos argumentos que vejo a ser dado a favor é que o número de pedidos de pessoas
para morrer é cada vez maior. Calma, muita calma. Se assim fosse, talvez metade
das pessoas internadas em serviços de saúde seriam candidatas a tal
procedimento. E no fim, quando saem dos internamentos, saem a agradecer por
tudo o que foi feito e pela recuperação que tiveram.
Infelizmente, mesmo na presença das melhores
condições, como profissional de saúde, tenho que ter a humildade de aceitar que
há coisas que estão fora do alcance da ciência. Pelo menos para já. E como
considero que não devo cortar a liberdade de quem possa estar em sofrimento,
dou um sim, com muitas reservas, à eutanásia.
Finalizo com uma questão, que ainda não vi ninguém
responder e que, na minha ótica, é tão importante como o dizer sim…quem seriam
os profissionais de saúde a pôr termo à vida das pessoas? Como apenas falo por
mim, a minha resposta é “eu não”.