Olho para tudo o que tem acontecido nos últimos dias
e apenas consigo ver um avançar galopante de algo que desconhecemos.
É COVID-19 para aqui, coronavírus para acolá, é
especialistas a irem a todos os programas televisivos a explicarem de forma
clara e simples a perigosidade da questão e vejo as pessoas apenas a ficarem
com uma coisa na cabeça…”é uma infeção simples, uma gripe um pouco pior, muitas
vezes sem sintomatologia.” Isto e a nossa capacidade de ouvirmos apenas o que
queremos ouvir. Tapa-se olhos e ouvidos para o “o perigo maior é a propagação e
o aumento do número de casos, que levará à falta de meios para atender a
todos.”
Vemos tomadas de decisão que muitos questionam “não
poderiam ter sido tomadas antes?”, ao que muitos contrapõem com um “claro que
não, tem que ser consoante o avançar da situação”. Aceitaria isto se um povo
latino como o nosso, a simples dois países de distância, não estivesse neste
momento enterrado num inferno que eles próprios ajudaram a cavar. Porque eles
também iam para a praia há uns dias atrás, aos cafés, aos cinemas, às feiras,
às festas, a tudo o que nós também não soubemos dizer não.
Nós, aqui neste cantinho à beira-mar plantado,
habituado à ligeireza das grandes crises, arrogantemente acreditamos que éramos
diferentes dos nossos primos italianos, espanhóis ou franceses.
Enquanto muitos já se encontram em pleno teatro de
guerra, eu e muitos como eu aguardamos que ele chegue até nós, porque vai
chegar. Por um lado, perplexo e irritado pela iliteracia comunitária dum povo
cada vez mais licenciado, mestrado e doutorado…por outro, rendido ao ver a
lição dada pelos doentes que vou tendo a meu cargo e de quem ninguém fala. Sim,
que apesar deste vírus não deixamos de te outras situações graves e menos
graves a decorrer ao mesmo tempo e que necessitam de cuidados.
A uns pede-se para não sair de casa e não o conseguem
fazer porque não querem alterar hábitos de vida, os outros lutam para recuperar
autonomia que lhes permita o regresso ao seu lar. A estes, que já sentiam o
peso da ausência dos seus, mesmo que mitigado pelo carinho profissional de quem
os cuida, que já viram o seu dia-a-dia forçosamente alterado, foi-lhes retirado
(e bem) aquilo que lhes dava uma alegria e motivação extra…o amor dos seus, nas,
muitas vezes curtas, visitas semanais.
Incrível a compreensão e o exemplo que recebemos de
pessoas, na maior parte idosas e sem ou com baixa escolaridade, que
resignadamente dizem “tem que ser, eu sei. Não se preocupe.” Pessoas que se
focam no que é mais importante para elas, a sua recuperação. É por elas que
visto a farda de cada vez que entro no hospital e são elas que me dão a
serenidade para enfrentar o desconhecido que está por vir. Os “milagres” que já
vi acontecer em determinados doentes (no qual nós somos apenas a última - mas
não menos importante - etapa), fazem-me ver que temos profissionais capazes,
munidos de conhecimento, coragem e altruísmo para enfrentar tamanho desafio.
Neste momento vive-se dia-a-dia, apesar de ainda
haver quem desvalorize o que aí vem tapando os olhos às recomendações mundiais.
Usa-se as dúvidas de quem sabe para justificar a manutenção dos hábitos de vida,
quando elas deviam de ser o maior impulsionador para nos prevenirmos.
Chamaram-nos de selvagens, criminosos ou assassinos
ainda há bem pouco tempo atrás quando apenas reivindicávamos aquilo que achávamos
justo, não o esqueço. Muitos deles que agora partilham imagens, correntes ou
que seja a favor dos profissionais de saúde. Dispenso. Fiquem em casa, lavem as
mãos, não tussam ou espirrem para cima dos outros, não saiam de casa se acham
que estão infetados, sejam inteligentes. É a maior prova de apoio que podem dar
a quem não vos vai abandonar quando mais precisam.