Tudo isto para dizer que são poucos aqueles que já se imaginaram privados
das suas capacidades, daquelas que nos fazem seres autónomos de forma a
desempenharmos as mais simples tarefas quotidianas.
Em qualquer serviço hospitalar a incapacidade, total ou parcial,
momentânea ou permanente, é, quem sabe, o maior desafio que se coloca ao
doente. Não direi aos profissionais pois, dependendo da tipologia do serviço, o
foco pode variar.
Trabalhando na área da reabilitação, área que descobri lentamente e a
qual me preenche profissionalmente, o repto principal quer de profissional quer
do doente é a incapacidade deste último. O dia-a-dia é focado na reaprendizagem
do que ser perdeu.
Podendo variar de caso para caso, talvez a capacidade a que mais se dá
valor é o andar. Não são poucas as vezes que ouvimos a pergunta “já anda?”
Contudo há mais, muito mais além do andar.
Largas vezes o processo de reabilitação decorre de forma lenta, com
pequenos ganhos impercetíveis a quem tem ânsia de ver progressos, doente e
família. E isto causa desânimo, frustração, desesperança. Da experiência
(pouca) que tenho, foram alguns os casos que pareciam “perdidos” até que houve
um ponto de viragem. A maioria destes casos, a mudança correspondeu com o
primeiro banho de chuveiro, após dias, semanas ou meses a tomar banho num
leito. Algo que todos fazemos diariamente, inconscientes de tudo o que é
preciso para o tornar algo tão fácil. Noutros casos, deu-se com conseguir comer
sozinho, conseguir sentar-se na cama ou simplesmente dar uns passos.
Há pessoas que nos chegam relativamente bem dentro do possível, com
vontade e com um potencial evidente de que vão melhorar. Mas a mim desafiam-me
mais as outras, em que a falta de força leva à falta de vontade, que o
desespero leva à falta de esperança. Dá-me “pica” a busca de pontos de viragem,
por muito complicada que seja e exija paciência que às vezes penso não ter.
Apraz-me ver a satisfação e agradecimento no olhar e expressão dos doentes
quando nos deixam, mas nada paga o momento em que se renova a esperança a
alguém.
E isto apenas se consegue com um trabalho em equipa, em que cada elemento, na sua área específica e nas áreas comuns, procura dar as respostas que os doentes procuram. Sempre no sentido de devolver as pessoas à vida.