terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Modelo biopsicossocial, ser ou não ser…

Terça-feira, volto à escola (universidade) para assistir a uma mesa redonda, a convite duma das pessoas que mais consideração me merece naquele espaço.
Dois interlocutores, duas abordagens interessantíssimas e pertinentes dum problema (ou será mais realidade? Ou as duas?) que assola, a meu ver, não só os enfermeiros, mas todos os profissionais de saúde…e não só.
Abordaram-se duas situações distintas, mas que orientaram a sessão para a mesma questão, a carência na assistência a nível social e cultural dos profissionais de saúde aos pacientes, quer sejam estrangeiros ou não.
Para mim este é um problema que tem como base dois modelos, o modelo biomédico e o modelo biopsicossocial, ou melhor, a passagem de um para o outro.
Antes de iniciar a expor a minha visão sobre o assunto, gostaria de reiterar a minha firme oposição à eterna pseudo-guerra médicos/enfermeiros. Olho para eles como colegas de trabalho e se algum deles não me olha da mesma maneira, não é algo que me preocupa e se algum dia tiver problemas com um deles, resolvo-o na hora e com a pessoa em causa, e não faço disso uma bandeira pró-enfermagem. E a questão que vou abordar não me parece que seja um problema deles seguirem um modelo e nós outro, mas sim do modelo que, a meu ver, o sistema de saúde português (e não só) segue, levando de arrasto os seus profissionais.
A nível da formação, a mim já me foi ensinado o modelo biopsicossocial (há uns 12 anos) e segundo me foi dito, neste momento medicina envereda pelo mesmo caminho. Serve isto para mudar o paradigma dominante? Para se passar definitivamente do modelo instaurado há décadas, para o modelo mais recente e que é consensual no que toca a abranger as necessidades totais do paciente?
Não, não chega. Porque não chega brandir aos sete ventos que vemos o doente de uma maneira holística e os outros não (nós é que somos bons!), numa atitude um pouco arrogante da nossa parte. Como não vai chegar daqui a uns tempos os médicos dizerem o mesmo. Mais que ver o doente de uma maneira holística, devemos tratá-lo e cuidá-lo nesse sentido.
Também podemos dizer que temos essas vertentes em atenção nos cuidados que prestámos, mas só sabemos se aplicámos essa visão biopsicossocial realmente quando nos deparámos com situações que nos obrigam a mudar o nosso processo (a palavra rotina dá muito prurido a certas pessoas) de trabalho. Até lá, é fácil dizer que usámos este modelo. Quando os nossos pacientes respondem a um padrão de cultura, que além de ser similar entre eles, é idêntico ao nosso. Quando fogem a esse padrão, aí a coisa complica. Nem nós, nem em último caso os serviços, estão preparados para atender de uma maneira holística todos os doentes. E por muito que nos custe admitir ou não o queiramos ver, é fácil arranjar múltiplos casos em que isso não acontece. Basta olharmos para o nosso terreno e sermos honestos connosco.
Agora é preciso um olhar mais profundo para se determinarem as causas deste fracasso.
A pergunta que eu faço é: Estão reunidas as condições para passarmos a um modelo que, além de abarcar tudo o que o outro tinha, exige ainda mais (conhecimento, concentração, dedicação, tempo etc.) aos profissionais de saúde?
Aceito, compreendo e defendo o papel das universidades…ensinarem a utopia, a perfeição, que devemos exigir a nós mesmos, e exigi-las aos alunos. Pois as mudanças, na minha opinião, começam sempre nas escolas.
Compreendo que digam que “não há tempo” ou que “não há recursos humanos suficientes” são desculpas para se enveredar por um caminho de facilitismo. Compreendo, mas não aceito, pois acho que são visões pouco realistas e holísticas do trabalho de um enfermeiro (ou profissional de saúde). É preciso ter em conta todo o contexto social do doente, certo? E o contexto social e profissional de quem cuida dos doentes? Não somos nós também pessoas?
Aceito perfeitamente a crítica à perda da identidade do paciente, por exemplo, com expressões do tipo “doente da cama x”, mas esta perda não acontece apenas na enfermagem. Em qualquer balcão somos números à espera de ser atendidos e passamos anos na universidade a sermos rostos sem nomes para muitos dos professores, só como exemplos.
Voltando à questão que coloquei, acho que temos sistemas que eles próprios impedem a mudança de paradigma. Seja pela situação socioeconómica que atravessámos (que está a afetar gravemente o SNS), seja pelas chefias e as suas exigências ou até mesmo pelas próprias exigências dos doentes, e até direi por parte de alguns profissionais de saúde. Mas eu sou testemunha que a falta de tempo não é uma desculpa e tem uma causa…falta matéria humana, faltam mais olhos, mais ouvidos e mais mãos para podermos ver (ouvir e tocar) os doentes de uma forma verdadeiramente holística!

Não é desculpa, não é facilitismo, não é não querer…é isso sim, querer e não poder!

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