Porém, apesar de generalizar ao
reconhecer nos doentes pessoas fragilizadas e agradecidas, a verdade é que existe
um outro lado. Um lado de má educação, de ameaças verbais e físicas, de
autênticos casos de polícia, que nos fazem a nós, profissionais de saúde, ter
de lidar com situações com as quais não teríamos de lidar. Situações essas que
alteram completamente o nosso processo de trabalho, que desviam a nossa atenção
(e energia) para algo secundário (ou nem isso) e que levam a que quem precisa
mesmo dos nossos cuidados fique sem eles atempadamente.
Ainda me disseram há dias “O
cliente tem sempre razão!” Que razão poderá ter alguém que nos trata abaixo de
cão ou que nos aponta uma faca, muitas vezes porque não cedemos a caprichos e
outras porque apenas cumprimos as normas de serviço? Sim, que todos os doentes
têm direitos, mas na folha onde eles estão têm ao lado algo que diz “deveres”.
Ao contrário da nossa (na opinião dessas pessoas), que parece ter escrito “deveres”,
mas tem ausência de direitos.
E do que vejo, a maior parte destas
pessoas são aquelas que menos precisam dos nossos cuidados. Mas cujas
necessidades creem estar acima de tudo e todos.
E estes comportamentos, dignos de
denúncia na polícia (se na rua também o são, numa instituição não serão mais?),
alteram não só a dinâmica de serviço como também o nosso estado anímico. Porque
ninguém gosta de ir trabalhar sabendo que já o espera algo desagradável. Por
saber que em cada situação de ameaça física há um risco enorme de ter o meu
emprego em causa, simplesmente por não saber o ponto até onde me posso conter.
Nem eu nem nenhum colega meu o podemos garantir. Porque defender-me de uma
agressão é um direito, seja onde for. Mas sei que se o faço, quem vai passar um
mau bocado sou eu.
Claro que depois saltam para as
notícias as falsas notícias, como a da suposta senhora com cancro que foi dormir
para as escadas da igreja, porque a tinham mandado embora do hospital (foi alta
voluntária). E os maus somos nós. Os que fazemos de tudo para essas pessoas não
terem problemas com a justiça, que calamos muitas vezes, que escondemos as
marcas físicas e psicológicas, baseados na falsa ideologia do “São doentes!”.
Mas não o são.
Repito, o que é crime fora dum
hospital, também o é dentro dele.
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