Terça-feira, volto à escola
(universidade) para assistir a uma mesa redonda, a convite duma das pessoas que
mais consideração me merece naquele espaço.
Dois interlocutores, duas
abordagens interessantíssimas e pertinentes dum problema (ou será mais realidade?
Ou as duas?) que assola, a meu ver, não só os enfermeiros, mas todos os
profissionais de saúde…e não só.
Abordaram-se duas situações distintas,
mas que orientaram a sessão para a mesma questão, a carência na assistência a nível
social e cultural dos profissionais de saúde aos pacientes, quer sejam
estrangeiros ou não.
Para mim este é um problema que tem
como base dois modelos, o modelo biomédico e o modelo biopsicossocial, ou
melhor, a passagem de um para o outro.
Antes de iniciar a expor a minha
visão sobre o assunto, gostaria de reiterar a minha firme oposição à eterna
pseudo-guerra médicos/enfermeiros. Olho para eles como colegas de trabalho e se
algum deles não me olha da mesma maneira, não é algo que me preocupa e se algum
dia tiver problemas com um deles, resolvo-o na hora e com a pessoa em causa, e
não faço disso uma bandeira pró-enfermagem. E a questão que vou abordar não me
parece que seja um problema deles seguirem um modelo e nós outro, mas sim do
modelo que, a meu ver, o sistema de saúde português (e não só) segue, levando
de arrasto os seus profissionais.
A nível da formação, a mim já me
foi ensinado o modelo biopsicossocial (há uns 12 anos) e segundo me foi dito,
neste momento medicina envereda pelo mesmo caminho. Serve isto para mudar o
paradigma dominante? Para se passar definitivamente do modelo instaurado há
décadas, para o modelo mais recente e que é consensual no que toca a abranger
as necessidades totais do paciente?
Não, não chega. Porque não chega
brandir aos sete ventos que vemos o doente de uma maneira holística e os outros
não (nós é que somos bons!), numa atitude um pouco arrogante da nossa parte.
Como não vai chegar daqui a uns tempos os médicos dizerem o mesmo. Mais que ver
o doente de uma maneira holística, devemos tratá-lo e cuidá-lo nesse sentido.
Também podemos dizer que temos
essas vertentes em atenção nos cuidados que prestámos, mas só sabemos se
aplicámos essa visão biopsicossocial realmente quando nos deparámos com
situações que nos obrigam a mudar o nosso processo (a palavra rotina dá muito
prurido a certas pessoas) de trabalho. Até lá, é fácil dizer que usámos este
modelo. Quando os nossos pacientes respondem a um padrão de cultura, que além
de ser similar entre eles, é idêntico ao nosso. Quando fogem a esse padrão, aí
a coisa complica. Nem nós, nem em último caso os serviços, estão preparados
para atender de uma maneira holística todos os doentes. E por muito que nos
custe admitir ou não o queiramos ver, é fácil arranjar múltiplos casos em que
isso não acontece. Basta olharmos para o nosso terreno e sermos honestos
connosco.
Agora é preciso um olhar mais profundo
para se determinarem as causas deste fracasso.
A pergunta que eu faço é: Estão
reunidas as condições para passarmos a um modelo que, além de abarcar tudo o
que o outro tinha, exige ainda mais (conhecimento, concentração, dedicação,
tempo etc.) aos profissionais de saúde?
Aceito, compreendo e defendo o
papel das universidades…ensinarem a utopia, a perfeição, que devemos exigir a
nós mesmos, e exigi-las aos alunos. Pois as mudanças, na minha opinião, começam
sempre nas escolas.
Compreendo que digam que “não há
tempo” ou que “não há recursos humanos suficientes” são desculpas para se
enveredar por um caminho de facilitismo. Compreendo, mas não aceito, pois acho
que são visões pouco realistas e holísticas do trabalho de um enfermeiro (ou
profissional de saúde). É preciso ter em conta todo o contexto social do doente,
certo? E o contexto social e profissional de quem cuida dos doentes? Não somos
nós também pessoas?
Aceito perfeitamente a crítica à
perda da identidade do paciente, por exemplo, com expressões do tipo “doente da
cama x”, mas esta perda não acontece apenas na enfermagem. Em qualquer balcão
somos números à espera de ser atendidos e passamos anos na universidade a
sermos rostos sem nomes para muitos dos professores, só como exemplos.
Voltando à questão que coloquei,
acho que temos sistemas que eles próprios impedem a mudança de paradigma. Seja
pela situação socioeconómica que atravessámos (que está a afetar gravemente o
SNS), seja pelas chefias e as suas exigências ou até mesmo pelas próprias
exigências dos doentes, e até direi por parte de alguns profissionais de saúde.
Mas eu sou testemunha que a falta de tempo não é uma desculpa e tem uma causa…falta
matéria humana, faltam mais olhos, mais ouvidos e mais mãos para podermos ver
(ouvir e tocar) os doentes de uma forma verdadeiramente holística!
Não é desculpa, não é facilitismo,
não é não querer…é isso sim, querer e não poder!