terça-feira, 24 de outubro de 2017

O atrevimento do indecoro

Não, não me vou atrever a falar sobre os incêndios…sinto-me demasiado envergonhado para falar disso, por pertencer a um país que trata com leviandade futebolística e partidária um tema que tira vidas a portugueses iguais a mim.
Depois de acontecer o impensável, aconteceu o impossível (primeiro indecoro). Bem verdade quando se diz que o impossível só o é até aparecer quem o torne possível. E nisso temos os melhores do mundo a fazer acontecer as piores coisas impossíveis. Temos a classe política mais incompetente, mais desumana, mais sem vergonha que possa existir (mas talvez a mereçamos…).
Após o sucedido apenas havia algo que se poderia dizer aos portugueses e às vítimas desaparecidas…“Desculpem”. Ao invés disso assisti, incrédulo, às declarações do Sr. Costa (segundo indecoro). Acredite que muito me custa chamar-lhe senhor, não merece, não é digno sequer de ser apelidado de pessoa. Não é homem para ocupar o lugar que ocupa, pelo discurso, pela inércia, pela falta de humanismo, pela arrogância, pela maneira como escolheu de subir ao poder.
Depois temos a Constança, de uma inconstância descomunal (terceiro indecoro). Fala a pobre mulher que não teve férias. Deixe-me que lhe diga, podia ter ido que não se teria dado pela sua falta.
Temos os do poleiro, que lançam as culpas para cima dos que lá estiveram e para a população, como se não fosse nada com eles (quarto indecoro) …apenas a recuperação fantasma do país se deve a eles.
Temos os que estiveram no poleiro e já não estão, a apontar o dedo como se em nada tivessem contribuído para o estado de calamidade verificado (quinto indecoro).
Temos Portugal no seu melhor, em que a culpa sempre morreu solteira. Esta impunidade que se vive na política simplesmente enoja-me, não há outra palavra que expresse melhor o que sinto.
Depois vem o pior de tudo. Eu dos políticos já tudo espero, já nada me espanta. O que me espanta é muito boa gente vir a poleiro defender o indefensável (sexto indecoro). Quando se devia ser firme e intransigente com todos os responsáveis pelo que aconteceu (que não são apenas deste ano), pelas vidas perdidas, para alguns elas são admissíveis dependendo da cor política que governe. Vêm com paninhos quentes, vêm dizer que são situações inesperadas (para quem é inesperado algo que acontece ano após ano?), que não se podem controlar, etc. Sabem, também me enoja esse tipo de discurso…profundamente.
Depois há as manifestações solidárias para com os bombeiros, com os donativos em bens e dinheiro, no apelo a que todos devíamos ser associados etc. Já refleti muitas vezes a minha opinião sobre os bombeiros, admiro imenso o papel deles, admiro mesmo, eu não o faria. Em pleno século XXI não acho que seja admissível, para uma profissão tão exigente, o voluntariado. Em tempos que se exige profissionalismo máximo na mínima das profissões, esta não pode seguir nas mãos da boa vontade. Tem que se dotar os bombeiros de condições para que possam exercer a sua profissão de forma segura, para eles e para os outros. Seria algo que traria maior responsabilização aos profissionais em causa, mas repito, sendo profissionais estariam em muito melhor posição para o assumir. Ou será que ainda temos os hospitais cheios de freiras a prestar cuidados de enfermagem? Nada contra as senhoras que o fizeram e ajudaram na evolução da profissão, mas os tempos e exigências mudaram.
Para finalizar, temos as árvores que de repente nos lembramos de plantar, em vez de dar brinquedos às crianças e pronto, problema resolvido, nada do que se passou este ano voltará a acontecer…peço desculpa, mas, em primeiro lugar, não são as crianças que têm culpa do sucedido. Em segundo, não contem comigo para ser cúmplice no camuflar da situação.
É a hora de apontar o dedo de vez, de pedir a “cabeça” dos responsáveis, de tomar medidas que realmente mudem o panorama e nos permitam ter segurança no futuro. Brincar ao faz de conta fará com que para o ano estejamos aqui outra vez a falar do mesmo, a pedir mais donativos e associados para os bombeiros e a plantar novas árvores para substituir as que se queimaram de novo. Nem tudo é possível de substituir, nem tudo se resolve com a boa vontade de voluntários e cidadãos. As vidas humanas que se perderam e tudo que representam não voltam.
Na Galiza morreram quatro pessoas, saíram milhares à rua, aqui morreram muitas mais, milhões puseram-se online. Por isso digo, temos o que merecemos.
Temo ser uma mente perturbada, com ideias alucinogénias num mundo equilibrado e são. Talvez esteja sozinho, a falar com os meus botões num estado de muda esquizofrenia. Mas dentro da minha loucura, estou imensamente preocupado pelo mundo onde vivo.



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