Já muito escrevi sobre nós, sobre ti, mas estar
contigo relembra-me sempre o porquê de o fazer.
Está quase a fazer 16 anos desde que nos conhecemos e
pode-se dizer que foi uma amizade à primeira vista. Como qualquer outra, ela
teve que ser construída, pedaço a pedaço até chegar ao que é hoje em dia...deixando de ser como qualquer outra.
Vivemos intensamente (intensidade à nossa maneira) os
ditos melhores anos da nossa vida, apesar de eu acreditar que o melhor está
sempre por vir. Mas algo de verdade tem essa ideia, pois Viana será sempre a
origem das nossas raízes.
Fizemo-nos à vida, vida essa que nos levou para longe
um do outro. Porém, cada reencontro é sentido com a cumplicidade de quem se vê
todos os dias e com a saudade que demasiados quilómetros acalentam.
A tua amizade é uma terapia para mim (não vale cobrar
consulta), das fortes amizades que tenho foi aquela que mais me permitiu
crescer no que ao ser amigo diz respeito. Começou em Viana, deambula entre
Barcelona, Pontevedra, Venade, Fafe…em qualquer lugar que nos permita largas
conversas e altas gargalhadas. E como sorrio ao saber-te feliz...e mais careca!
O segredo de tal afinidade…será só um? Começo pelo
que me parece mais importante, o respeito, enorme respeito, que sempre tivemos
pelas nossas divergências. Só assim, a tua opinião teve o peso que teve (e tem)
em algumas decisões que tomei, mesmo quando iam contra o meu modo de pensar.
Depois acho que temos uma amizade especial devido à
absurda simplicidade que ela acarreta. Apesar dos anos terem passado, de nos
termos tornado adultos, ainda vejo em nós muito dos dois miúdos que se
conheceram com 18 anos.
Numa sociedade cada vez mais com os valores ausentes
ou invertidos, és tu, muitas vezes, que me fazes ver que não remo sozinho
contra a maré. E assim, caminhando pela vida, nesta encruzilhada de rumo
incerto, seguimos juntos apesar da distância que nos separa.
Gostaria de começar este texto a dizer que não nasci
para ser enfermeiro. Cresci sem saber ao certo o que queria ser quando fosse
grande…jogador da bola como toda a gente; bombeiro ao ter o quartel a dois
passos de casa, sendo local de visitas e brincadeiras frequentes; Jedi, o
verdadeiro herói das galáxias, quando a fantasia reinava no meu pensamento;
professor de educação física (talvez a profissão mais próxima do meu perfil e
preferências) …e não me lembro de muito mais.
Hoje em dia identifico-me em dois papéis, enfermeiro
e karateca (praticante e instrutor). Enquanto crescia, enquanto sonhava com
muitas coisas, tornei-me sem dar conta em karateca, não apenas dentro do dojo,
mas principalmente fora dele. Não pretendo falar neste texto sobre o que já
falei muito, mas esta Arte foi a base para a formação dos princípios e valores
que defendo, onde aprendi o verdadeiro valor da amizade e do “um por todos e
todos por um”.
Voltando-me agora para o papel de enfermeiro, este começou
a ganhar forma lá pelo 10º ano quando decidi que era o curso que queria, sem
fazer a mínima ideia do que era (é) ser enfermeiro. Uma ideia em bruto,
completamente em bruto.
Passo seguinte, deu-se com a entrada na universidade, onde me tornei vianense de adoção. Foram anos incríveis, onde conheci gente
para a vida, que ainda hoje considero como melhores amigos, pese a distância
que nos separa. Quanto à Enfermagem, não encontrei nestes anos a chama que me
fizesse sentir que estava no meu lugar, naquilo que queria ser. Sem culpar
ninguém, não tive nesse período um exemplo que me fizesse pensar “é este o
enfermeiro que quero ser”.
Até que chegou o quarto e último ano e tive três
orientadoras, todas com perfis diferentes, que me cativaram para ser
enfermeiro. Enf.ª Maria do Carmo, Enf.ª Carla e Enf.ª Isabel (esta, quem sabe,
a pessoa que num mês me marcou mais que qualquer outra nos anos anteriores,
aquela com quem mais cresci).
Termino o curso e estou um ano a percorrer o deserto,
em busca duma oportunidade em qualquer zona do país. Uns “biscates” na área não
chegavam para fazer-me sair do desânimo que crescia em mim. Pelo meio, uma
proposta que tive a gentileza de recusar, por serem dessas que nos fazem corar
de vergonha.
Até que recebi uma chamada do país vizinho, a
perguntarem-me se queria iniciar funções no dia seguinte. Não fui logo nesse
dia, fui uns dias depois. Por lá, pela minha Pontevedra, fiquei sete anos, anos
em que evoluí pessoal e profissionalmente e aprendi, aos poucos, a gostar e
abraçar a profissão que tinha escolhido. Num local de trabalho complicado, em
que muitas vezes não havia mãos a medir, ganhei capacidade de trabalho e sacrifício.
Com humildade, creio ter sabido absorver as aprendizagens que as minhas colegas
mais velhas me proporcionaram. E com muitas outras, algumas a iniciar este
caminho como eu, crescemos juntos, com apoio constante, limpando as “lágrimas”
nos momentos difíceis, sorrindo nas nossas muitas alegrias.
Aquela casa, aquela gente, sempre as levarei no meu
coração. Se sou enfermeiro, foi pela oportunidade que me deram, e acredito ter
pago a confiança com a minha dedicação durante os anos em que la estive.
Sete longos aos depois, quando já poucas esperanças
tinha, abriram-me de novo uma porta, aquela pela qual tanto ansiava. Estava de
regresso a casa.
Nesta nova etapa, mais uma vez, fui recebido de
braços abertos e abri-me ao conhecimento que os novos colegas me tinham para
dar. O Karate ensinou-me que a aprendizagem é para a vida e isso transfiro para
a minha profissão. De todos tenho algo a receber.
Num novo serviço, com um doente tipo bastante
diferente ao que estava habituado, renasci como enfermeiro. Mais do que o
conforto, mais do que o substituir as pessoas no que não podem fazer, mais do que as
técnicas e a medicação, mais do que o cuidar (que tanto gosto e é a base da
Enfermagem), descobri que o prazer maior é o de reabilitar. Foi algo que foi crescendo sem eu
dar conta, mas dá-me um gozo tremendo ver a qualidade de vida que se pode dar
às pessoas, sendo preciso tão pouco…as nossas mãos, a nossa vontade (muitas
vezes superior à dos doentes), o nosso saber e a nossa crença. Esta, talvez, a
mais importante, acreditar que a pessoa vai ficar melhor, mesmo que, ao receber
a pessoa ao nosso cuidado, muitas vezes não saibamos como será isso possível…mas
é.
Fez há uns dias dez anos em que posso dizer “sou
enfermeiro”. Digo-o com orgulho, não em mim, mas em toda a classe a que
pertenço. Por muitas dúvidas que nos assolem, por muito maltratados ou pouco
reconhecidos que sejamos (socialmente…ou politicamente), por muito que a esperança
se desvaneça…acreditem, são especiais.
Não vou aqui falar em todos os sacrifícios que a
nossa profissão acarreta, já falei muitas vezes. Apesar de saber que o meu país
nunca vai ter condições para me pagar o que acho justo, regressei porque quis e
não deixo de ir com um sorriso para o meu trabalho. Pelos meus colegas e pelos
meus doentes. Que me perdoem os meus colegas, mas principalmente por estes. É
por eles e para eles que lá estamos, a maioria dá-nos o valor que merecemos e
são reconhecidos. Embora não me alimente nem pague as contas com isso, a melhor
paga que tenho pelo meu trabalho são os “obrigados” e as lágrimas dos utentes
na hora da alta.
Já fiquei com pele de galinha e já me emocionei com
algumas despedidas. Porque, parafraseando alguém, somos gente que cuida de gente,
e ao tocarmos alguém estamos a deixar que nos toquem.
Não sei o que me reserva o futuro, desejo apenas que
a paixão e amor que sinto pelo que faço se mantenham.
“Mais importante que o destino, é o caminho
percorrido para lá chegar!”
Talvez seja esta a frase que melhor resume a
empreitada que eu e mais vinte e nove colegas iniciamos em Outubro, quando nos
candidatamos a ser Enfermeiros Especialistas em Reabilitação.
Passados dez meses de um processo de aprendizagem
intensivo, duro e de sacrifícios, estou longe de me sentir Especialista. Nunca
considerei que cursos ou cartões dessem direito às designações neles contidos.
Acima de tudo, é o dia-a-dia, é a experiência, é o pôr em prática os conhecimentos
que nos pode levar ao merecimento de tal designação.
Por isso não me considero especialista, sinto-me,
isso sim e ainda antes de iniciar este percurso, enfermeiro de reabilitação.
Foi o sentir que o que fazia para ajudar os meus doentes não era suficiente,
que podia fazer mais e melhor, que me fez entrar neste desafio.
Sempre o disse e acredito piamente nisso, só
evoluímos, seja pessoalmente ou profissionalmente, se sairmos da nossa zona de
conforto. O que vem fácil, vai fácil ou não tem valor.
E o que destaco destes meses todos, são as pessoas
que conheci, desde os meus colegas, aos professores e orientadores.
A primeira palavra, como não podia deixar de ser, é
para vocês meus caros colegas. Companheiros de sacrifícios, de estudo, de
trabalhos, de angústias…mas também de risos e sorrisos, de solidariedade, de
alegria. Apesar de ter sido voluntário involuntariamente, ser o vosso delegado
de turma foi um privilégio. Porque é que digo isto? Tentei conhecer todos, ser
um elo de ligação e de apoio para o que precisassem. Independentemente de haver
relações mais fortes que outras, de todos levo algo, cresci com cada um de
vocês. Parabéns e obrigado.
Sigo para os Professores, destacando a Professora Esperança, o Professor
Fernando e a Professora Manuela, que nos orientaram de
mais perto, mas nunca esquecendo todos os que nos deram o seu contributo.
Pessoas de com grande saber acumulado, mas acessíveis e disponíveis para nos
ajudarem.
As próximas palavras vão para todos os meus
orientadores de estágio, responsáveis máximos pela minha evolução, que pelo
exemplo foram e são modelos que pretendo seguir no meu percurso profissional.
Enf. Nuno e Enf.ª Fernanda (Gaia); Enf. Jorge
(Braga); Enf.ª Graça e Enf.ª Ana (Cabeceiras); Enf. Vasco e Enf. Aníbal (Póvoa
de Varzim)…estes sim, considero Enfermeiros Especialistas em Reabilitação.
Foram fonte de aprendizagem, de reflexão, de conselhos, deram-me motivação para
exercer ainda com mais vontade a nossa nobre profissão, encorajando-me a
assumir sem receio os desafios que a minha vida profissional me puser à frente.
A minha enorme gratidão para todos.
Não esqueço ainda todos os colegas que, apesar de não
estarem diretamente na minha orientação, colaboraram nela e fizeram-me sentir
membro integrante das equipas por onde passei.
Estas foram as pessoas que acompanharam de perto todo
o meu percurso formativo, mas houve outras que não podem ficar sem uma
referência.
Os primeiros, teriam que ser sempre eles, os meus
pais. Por me apoiarem desde o primeiro momento, pela preocupação e interesse
constante, pela compreensão nos momentos de maior impaciência resultantes das
diminutas horas de sono, por tudo.
Palavra maior também para todos os meus colegas do
trabalho, pela sobrecarga que a minha maior ausência do serviço provocou. O que
me levou a dar tudo foi também o não querer que o vosso esforço fosse em vão.
Se cheguei a bom porto, a vocês o devo. Isso nunca esquecerei.
Aos meus amigos, a esses, além do obrigado pelo apoio
incondicional, as minhas desculpas. Pelas ausências ou pelas presenças com a
cabeça noutro lugar.
Sónia Marinho e Márcio Carvalho, este meu percurso
coincidiu com a nossa época mais difícil. Ter o apoio dos dois foi fundamental
para poder desligar-me o possível do Karate quando assim me foi exigido.
Sabendo que tudo correria dentro da normalidade. Sempre AKFAFE.
Gratidão é palavra a que dou muita importância. Devido a ela estou em dívida com todos vocês.
Pode-se pensar que isto é o fim…mas não o sinto
assim. Para mim é apenas o começo de uma nova fase. Mudei, mudei a minha
maneira de ser, estar e ver a enfermagem. Mais importante que ser especialista,
é ser especial, será sempre esse o meu repto em tudo o que faça.
E não tenho dúvidas, as pessoas deste grupo têm tudo
para serem especiais…sejam felizes no que fazem e não se esqueçam, mais
importante que dar anos à vida…é dar vida aos anos.