Gostaria de começar este texto a dizer que não nasci
para ser enfermeiro. Cresci sem saber ao certo o que queria ser quando fosse
grande…jogador da bola como toda a gente; bombeiro ao ter o quartel a dois
passos de casa, sendo local de visitas e brincadeiras frequentes; Jedi, o
verdadeiro herói das galáxias, quando a fantasia reinava no meu pensamento;
professor de educação física (talvez a profissão mais próxima do meu perfil e
preferências) …e não me lembro de muito mais.
Hoje em dia identifico-me em dois papéis, enfermeiro
e karateca (praticante e instrutor). Enquanto crescia, enquanto sonhava com
muitas coisas, tornei-me sem dar conta em karateca, não apenas dentro do dojo,
mas principalmente fora dele. Não pretendo falar neste texto sobre o que já
falei muito, mas esta Arte foi a base para a formação dos princípios e valores
que defendo, onde aprendi o verdadeiro valor da amizade e do “um por todos e
todos por um”.
Voltando-me agora para o papel de enfermeiro, este começou
a ganhar forma lá pelo 10º ano quando decidi que era o curso que queria, sem
fazer a mínima ideia do que era (é) ser enfermeiro. Uma ideia em bruto,
completamente em bruto.
Passo seguinte, deu-se com a entrada na universidade, onde me tornei vianense de adoção. Foram anos incríveis, onde conheci gente
para a vida, que ainda hoje considero como melhores amigos, pese a distância
que nos separa. Quanto à Enfermagem, não encontrei nestes anos a chama que me
fizesse sentir que estava no meu lugar, naquilo que queria ser. Sem culpar
ninguém, não tive nesse período um exemplo que me fizesse pensar “é este o
enfermeiro que quero ser”.
Até que chegou o quarto e último ano e tive três
orientadoras, todas com perfis diferentes, que me cativaram para ser
enfermeiro. Enf.ª Maria do Carmo, Enf.ª Carla e Enf.ª Isabel (esta, quem sabe,
a pessoa que num mês me marcou mais que qualquer outra nos anos anteriores,
aquela com quem mais cresci).
Termino o curso e estou um ano a percorrer o deserto,
em busca duma oportunidade em qualquer zona do país. Uns “biscates” na área não
chegavam para fazer-me sair do desânimo que crescia em mim. Pelo meio, uma
proposta que tive a gentileza de recusar, por serem dessas que nos fazem corar
de vergonha.
Até que recebi uma chamada do país vizinho, a
perguntarem-me se queria iniciar funções no dia seguinte. Não fui logo nesse
dia, fui uns dias depois. Por lá, pela minha Pontevedra, fiquei sete anos, anos
em que evoluí pessoal e profissionalmente e aprendi, aos poucos, a gostar e
abraçar a profissão que tinha escolhido. Num local de trabalho complicado, em
que muitas vezes não havia mãos a medir, ganhei capacidade de trabalho e sacrifício.
Com humildade, creio ter sabido absorver as aprendizagens que as minhas colegas
mais velhas me proporcionaram. E com muitas outras, algumas a iniciar este
caminho como eu, crescemos juntos, com apoio constante, limpando as “lágrimas”
nos momentos difíceis, sorrindo nas nossas muitas alegrias.
Aquela casa, aquela gente, sempre as levarei no meu
coração. Se sou enfermeiro, foi pela oportunidade que me deram, e acredito ter
pago a confiança com a minha dedicação durante os anos em que la estive.
Sete longos aos depois, quando já poucas esperanças
tinha, abriram-me de novo uma porta, aquela pela qual tanto ansiava. Estava de
regresso a casa.
Nesta nova etapa, mais uma vez, fui recebido de
braços abertos e abri-me ao conhecimento que os novos colegas me tinham para
dar. O Karate ensinou-me que a aprendizagem é para a vida e isso transfiro para
a minha profissão. De todos tenho algo a receber.
Num novo serviço, com um doente tipo bastante
diferente ao que estava habituado, renasci como enfermeiro. Mais do que o
conforto, mais do que o substituir as pessoas no que não podem fazer, mais do que as
técnicas e a medicação, mais do que o cuidar (que tanto gosto e é a base da
Enfermagem), descobri que o prazer maior é o de reabilitar. Foi algo que foi crescendo sem eu
dar conta, mas dá-me um gozo tremendo ver a qualidade de vida que se pode dar
às pessoas, sendo preciso tão pouco…as nossas mãos, a nossa vontade (muitas
vezes superior à dos doentes), o nosso saber e a nossa crença. Esta, talvez, a
mais importante, acreditar que a pessoa vai ficar melhor, mesmo que, ao receber
a pessoa ao nosso cuidado, muitas vezes não saibamos como será isso possível…mas
é.
Fez há uns dias dez anos em que posso dizer “sou
enfermeiro”. Digo-o com orgulho, não em mim, mas em toda a classe a que
pertenço. Por muitas dúvidas que nos assolem, por muito maltratados ou pouco
reconhecidos que sejamos (socialmente…ou politicamente), por muito que a esperança
se desvaneça…acreditem, são especiais.
Não vou aqui falar em todos os sacrifícios que a
nossa profissão acarreta, já falei muitas vezes. Apesar de saber que o meu país
nunca vai ter condições para me pagar o que acho justo, regressei porque quis e
não deixo de ir com um sorriso para o meu trabalho. Pelos meus colegas e pelos
meus doentes. Que me perdoem os meus colegas, mas principalmente por estes. É
por eles e para eles que lá estamos, a maioria dá-nos o valor que merecemos e
são reconhecidos. Embora não me alimente nem pague as contas com isso, a melhor
paga que tenho pelo meu trabalho são os “obrigados” e as lágrimas dos utentes
na hora da alta.
Já fiquei com pele de galinha e já me emocionei com
algumas despedidas. Porque, parafraseando alguém, somos gente que cuida de gente,
e ao tocarmos alguém estamos a deixar que nos toquem.
Não sei o que me reserva o futuro, desejo apenas que
a paixão e amor que sinto pelo que faço se mantenham.
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