Lamentavelmente a tragédia bateu à porta duma família em Sabrosa, família esta que vivia com poucas condições segundo se consta.
O que aconteceu, infelizmente, tem ocorrido
pontualmente a pessoas de melhor ou pior condição social.
De repente, lê-se e ouve-se muita indignação nas
redes sociais (grande lugar para os opinadores de sofá) e nos jornais
televisivos (em que o que interessa é aparecer, independentemente do que se
diga).
Ouvi dizer que esta família era humilde, de gente
trabalhadora, pronto, que bebia um bocado, mas que não foi por aí. Sai uma
multidão, que até ontem devia de pensar que estas situações não existem, a
reclamar casas para as pessoas que precisam.
Multidão esta que é a mesma que reclama contra o RSI,
que reclama contra as ajudas socias de quem menos tem, que se alguma entidade
ligada ao Estado desse uma casa a uma família carenciada seriam os primeiros a
gritar a injustiça que seria uns terem que trabalhar para ter uma casa e outos
não. A hipocrisia (só se vê quando se quer) e a bipolaridade (analisa-se as situações
conforme o que interessa no momento) são duas caraterísticas muito portuguesas,
não são apenas qualidades.
Bato na mesma tecla há muito tempo, somos, cada vez
mais, um país de terceiro mundo com aparência de primeiro. No parecer,
parecemos muito. Não há crianças e/ou adultos sem telemóvel, sem carro, sem
roupas de marca, sem casa própria, tudo se consegue com aparente facilidade.
Até os pais que se matam a trabalhar por dar luxos aos filhos acreditam na
normalidade da situação.
Mas por trás desta fachada há um outro Portugal, um
país de miséria de início do século XX, em que noções básicas de higiene, saúde
ou condições habitacionais mínimas diferem um pouco do que a maioria de nós
tem.
E estes casos existem à vista de toda a gente, todos
nós sabemos de alguém que vive abaixo do que consideramos digno. E todos
assobiamos para o lado, como se fossem invisíveis aos nossos olhos.
Estas situações deviam ser sinalizadas pelas entidades
que mais perto delas vivem, que atuam no terreno. Não vou acusar ninguém,
porque não sei quais as condições que o país dá aos profissionais responsáveis
por estes casos para os resolver. Sou, isso sim, da opinião que, mesmo o país
não dando condições para tal, se deva sinalizar os casos. O que não se deve
fazer é saber-se das situações e nada se fazer, apenas porque nada se poderá
solucionar.
A nível profissional são muitos os casos que nos
passam pelas mãos, famílias idênticas às de Sabrosa, que de repente deixaram de
ter condições para regressar ao domicílio, domicílio que até ao momento tinha
servido. Aproveita-se a institucionalização das pessoas para que os serviços de
saúde resolvam os problemas sociais da população. Além de se tratar e cuidar de
um doente, as equipas lutam para proporcionar soluções sociais a estas pessoas.
Depois temos as camas hospitalares e da RNCCI com pessoas saudáveis que não têm
lugar para onde ir, e doentes que não têm uma cama para se deitar.
Depois é a velha máxima que utilizo, cada caso é um
caso. Há pessoas que tiveram azar no meio em que nasceram, mas construíram a
sua sorte, há outras que tiveram sorte no seio familiar e foram em busca do
azar. E há as que nunca souberam sair do azar em que nasceram. Simplesmente nem
todo o azarado é coitadinho.
Um conselho se me permitem. Quando acharem que há
alguém que conhecem em risco social, comuniquem-no nos devidos sítios, de modo
que as entidades competentes possam atuar.
O que aconteceu em Sabrosa é triste e poderia ter sido
evitável, mas não sou ninguém nem conhecedor dos dados para poder dizer que a
tragédia tem ou não a ver com a situação social da família. Tudo que pudesse
dizer nesse sentido seria especulativo e sensacionalista.
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