domingo, 16 de dezembro de 2018

O crime de ser enfermeiro


Esta semana parecia ficar marcada pelos ataques cada vez mais cerrados duma ministra sem escrúpulos, mentirosa e manipuladora, refugiada numa comunicação social alarmista, sensacionalista e pouco preocupada com os factos.
Porém, aconteceram duas situações daquelas que, de tão injustas, deviam de estar proibidas de acontecer.
Começo pela queda do helicóptero no dia de ontem. Preparava-me para sair de casa quando começaram as notícias sobre o desaparecimento da aeronave. Tive logo um mau pressentimento, que mais tarde viria a confirmar.
Acidentes acontecem todos os dias, ninguém está livre deles, mas acontecer a quem está em serviço, serviço que consiste em salvar vidas…não se faz. Toda a tripulação morreu em prol dos outros, como se fossem anjos em asas.
Daniela, não te conhecia, nunca tinha ouvido falar de ti, tal como muitos outros colegas que hoje choram a tua partida. Mas sei que és das nossas, não tenho a menor dúvida. Se há quem nos apelide de criminosos, apenas te deixo com um sincero e singelo “obrigado” por tudo, um tudo que são poucos a saber a sua verdadeira dimensão.
Sou enfermeiro e adoro o que faço. E se há algo que me deixa completamente realizado é ver a recuperação dos doentes. É para isso que lá estamos, mas nem sempre é possível.
Há umas semanas atrás o “Sr. J” abandonou o serviço após um período connosco. Saiu bem, pelo próprio pé, um senhor muito diferente daquele que tinha chegado até nós. Apesar do pensamento algo confuso que o acompanhava diariamente (como me fazia rir com aquela necessidade de adquirir sempre mais um determinado objeto), era um homem de bom coração, sempre com uma palavra de apreço, que me disse um dos “eu confio em si” mais sentidos que ouvi até hoje.
Saiu do serviço com uma promessa, que iria ver se o seu grupo onde tocava estava operacional e que iria vir à nossa festa de Natal para participar nela. Caso não estivesse a funcionar, viria ele na mesma. Ainda me lembro do sorriso com que nos deixou naquele dia e com a pele de galinha com que fiquei, característica minha nestas despedidas.
Quando me vieram falar do “Sr. J” esta semana, pensei que me iriam dizer “Ele vem à festa”…mas em vez disso, apanhei um murro no estômago. Sei que ficou impossibilitado de cumprir a sua promessa, que acredito que cumpriria. Nesse momento, e ainda inebriado pela violência do choque, revivi muitos dos momentos em que, durante um mês, trabalhei, convivi, chateei-me, sorri ou ouvi o “Sr. J”.
Com a devida distância profissional, considero que apenas conseguimos chegar aos doentes com afeto, sendo ele expresso das mais diversas maneiras. Por isso, estas partidas inesperadas sempre me abalaram um pouco, fico mais pobre com cada uma delas. Talvez seja por isso que me considerem uma pessoa cruel, um criminoso, talvez dos da pior espécie. Mas voltaria a cometer os mesmos crimes que tenho cometido, principalmente o de me ter tornado enfermeiro.
Daniela e “Sr. J”, descansem em paz, até um dia!

2 comentários:

  1. Revejo-me nas tuas palavras Jorge!
    Um crime pelo qual tenho orgulho de ser culpada, CUIDAR!

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  2. Revejo-me nas tuas palavras Jorge!
    Um crime pelo qual tenho orgulho de ser culpada, CUIDAR!

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