quarta-feira, 20 de março de 2013

O mundo encantado das escolas de enfermagem!


Nos últimos dias tenho trocado algumas ideias com alunas de enfermagem e deparo-me com uma coisa. Cada vez mais a teoria ganha terreno ao domínio da prática, passou-se de um oito para um oitenta neste aspecto.
Sem dúvida que a teoria é muito importante, mas por muito que estudemos em 4 anos, nunca vamos estar preparados para o mundo do trabalho. É nesse campo de batalha diário que vamos desenvolver o nosso verdadeiro conhecimento sobre a arte. É aí que descobrimos quais as teorias úteis e quais as que são úteis apenas para trabalhos escolares, como projectos e relatórios.
Não consigo perceber ainda no dia de hoje, qual a utilidade dos projectos de estágio. Eu creio que em vez de organizar o processo de desenvolvimento do aluno, apenas o atrapalha e atrasa. O aluno estagiário passa mais tempo preocupado com o seguir um projecto e, mais tarde, fazer um relatório, do que propriamente desenvolver e adquirir as competências que lhe vão ser exigidas no mundo do trabalho.
Além que agora há teorias para tudo e mais alguma coisa. Para picar um doente é preciso seguir determinada teoria. Para falar com o doente é preciso seguir a outra. Se um aluno sabe picar e é um excelente comunicador, mas não sabe fundamentar isso com teorias, já é um mau aluno. Há escolas, tipo a minha, em que um 20 é uma nota inadmissível. Esquecem-se que um aluno de Enfermagem não tem que ser um enfermeiro para ter um 20. Para ter essa nota o aluno pura e simplesmente tem que cumprir os critérios (objectivos) definidos, mas aí está o cerne da questão…critérios! Ou melhor, a falta de critérios! Porque se os houvesse um 20 não podia ser inadmissível…quanto muito algo difícil de alcançar. E se algum enfermeiro pensa dar um 20 a um aluno, calma aí! Há projecto e relatório para baixar a nota!
E se não há 20s, isto resulta também num fracasso dos professores que nunca conseguiram orientar um aluno a esse patamar. Esse é outro dos problemas. Muitas vezes, em vez de se orientar alunos no seu desenvolvimento, dificulta-se o seu trajecto, num inexplicável acesso de soberbia ou inveja. Um professor tem que ser um orientador, um motivador, um explicador, um pedagogo, alguém que procura sacar de nós o melhor. O que acontece nas universidades, é que os professores não são professores. Tipo, no caso de enfermagem, a maior parte eram enfermeiros. Agora, nem uma coisa nem outra, pois abandonaram aquilo para que se formaram, na maioria dos casos, aos anos. Para ser professor não basta ser um expert na matéria…é preciso saber e querer transmiti-la.
A escola vive no mundo teórico e, porque não dizê-lo, utópico. Passa-se quase a ideia que é melhor não fazer nada se os princípios teóricos não puderem ser cumpridos, mesmo que esteja em causa a vida de um doente. Antes podiam desculpar-se que estavam a formar enfermeiros para o SNS, que dava todas as garantias de ser cumprida a teoria. Mas hoje em dia não é assim. Que fazer se vamos ter a um sítio em que não há material esterilizado, que não tem pinças, que não tem a panóplia de meios que o SNS proporciona? (será que ainda proporciona?) Deixamos de fazer as coisas? Felizmente os enfermeiros são, geralmente, pessoas criativas, criatividade essa que não aprendem na escola…porque foge dos parâmetros teóricos e ainda não há nenhuma teoria sobre a criatividade, penso eu!
A escola concebe serviços utópicos, doentes utópicos. Nada mais errado. Nunca podemos acreditar no doente perfeito, nem que vai seguir à risca as recomendações/tratamento. Um simples exemplo, o caso da Hipertensão ou da Diabetes. O tridente ofensivo a estas doenças é composto pela medicação, alimentação e exercício. Destes três, há um que é de muito difícil manejo, até por questões culturais. Não podemos exigir à geração que está nos 70s/80s/90s que deixe de comer como sempre comeu, que nunca tiveram acesso a informação que nós temos agora. O tratamento médico já tem que ter em conta esses excessos, de forma a compensá-los. Mesmo as gerações mais novas têm imensas dificuldade em comer bem, mesmo sendo desde novos inundados por informação sobre esse aspecto.
O grande problema deste excesso de teoria nas escolas de enfermagem, é que os responsáveis por ensinar esta arte na escola, estão completamente ausentes da prática há demasiado tempo, imersos nos seus livros e teorias. Não é ir “orientar” alunos em estágios que dá a prática. Aliás, os professores de enfermagem, muitas vezes, nem são bem-vindos nos locais de estágio. Atrapalham, alteram a dinâmica dos serviços, vão com as teorias perfeitas para serviços reais, vão dar lições de moral a quem luta diariamente no terreno.
Qualquer dia forma-se enfermeiros que sabem todas as teorias na ponta da língua...mas às tantas nem um copo de água vão saber dar a um doente!

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