Nos últimos dias tenho trocado
algumas ideias com alunas de enfermagem e deparo-me com uma coisa. Cada vez
mais a teoria ganha terreno ao domínio da prática, passou-se de um oito para um
oitenta neste aspecto.
Sem dúvida que a teoria é muito
importante, mas por muito que estudemos em 4 anos, nunca vamos estar preparados
para o mundo do trabalho. É nesse campo de batalha diário que vamos desenvolver
o nosso verdadeiro conhecimento sobre a arte. É aí que descobrimos quais as teorias
úteis e quais as que são úteis apenas para trabalhos escolares, como projectos
e relatórios.
Não consigo perceber ainda no dia
de hoje, qual a utilidade dos projectos de estágio. Eu creio que em vez de
organizar o processo de desenvolvimento do aluno, apenas o atrapalha e atrasa.
O aluno estagiário passa mais tempo preocupado com o seguir um projecto e, mais
tarde, fazer um relatório, do que propriamente desenvolver e adquirir as
competências que lhe vão ser exigidas no mundo do trabalho.
Além que agora há teorias para tudo
e mais alguma coisa. Para picar um doente é preciso seguir determinada teoria. Para
falar com o doente é preciso seguir a outra. Se um aluno sabe picar e é um excelente
comunicador, mas não sabe fundamentar isso com teorias, já é um mau aluno. Há
escolas, tipo a minha, em que um 20 é uma nota inadmissível. Esquecem-se que um
aluno de Enfermagem não tem que ser um enfermeiro para ter um 20. Para ter essa
nota o aluno pura e simplesmente tem que cumprir os critérios (objectivos)
definidos, mas aí está o cerne da questão…critérios! Ou melhor, a falta de
critérios! Porque se os houvesse um 20 não podia ser inadmissível…quanto muito
algo difícil de alcançar. E se algum enfermeiro pensa dar um 20 a um aluno,
calma aí! Há projecto e relatório para baixar a nota!
E se não há 20s, isto resulta também
num fracasso dos professores que nunca conseguiram orientar um aluno a esse
patamar. Esse é outro dos problemas. Muitas vezes, em vez de se orientar alunos
no seu desenvolvimento, dificulta-se o seu trajecto, num inexplicável acesso de
soberbia ou inveja. Um professor tem que ser um orientador, um motivador, um
explicador, um pedagogo, alguém que procura sacar de nós o melhor. O que
acontece nas universidades, é que os professores não são professores. Tipo, no
caso de enfermagem, a maior parte eram enfermeiros. Agora, nem uma coisa nem
outra, pois abandonaram aquilo para que se formaram, na maioria dos casos, aos
anos. Para ser professor não basta ser um expert na matéria…é preciso saber e querer transmiti-la.
A escola vive no mundo teórico e,
porque não dizê-lo, utópico. Passa-se quase a ideia que é melhor não fazer nada
se os princípios teóricos não puderem ser cumpridos, mesmo que esteja em causa
a vida de um doente. Antes podiam desculpar-se que estavam a formar enfermeiros
para o SNS, que dava todas as garantias de ser cumprida a teoria. Mas hoje em
dia não é assim. Que fazer se vamos ter a um sítio em que não há material esterilizado,
que não tem pinças, que não tem a panóplia de meios que o SNS proporciona?
(será que ainda proporciona?) Deixamos de fazer as coisas? Felizmente os
enfermeiros são, geralmente, pessoas criativas, criatividade essa que não
aprendem na escola…porque foge dos parâmetros teóricos e ainda não há nenhuma
teoria sobre a criatividade, penso eu!
A escola concebe serviços utópicos,
doentes utópicos. Nada mais errado. Nunca podemos acreditar no doente perfeito,
nem que vai seguir à risca as recomendações/tratamento. Um simples exemplo, o
caso da Hipertensão ou da Diabetes. O tridente ofensivo a estas doenças é
composto pela medicação, alimentação e exercício. Destes três, há um que é de
muito difícil manejo, até por questões culturais. Não podemos exigir à geração
que está nos 70s/80s/90s que deixe de comer como sempre comeu, que nunca tiveram
acesso a informação que nós temos agora. O tratamento médico já tem que ter em
conta esses excessos, de forma a compensá-los. Mesmo as gerações mais novas têm
imensas dificuldade em comer bem, mesmo sendo desde novos inundados por
informação sobre esse aspecto.
O grande problema deste excesso de
teoria nas escolas de enfermagem, é que os responsáveis por ensinar esta arte
na escola, estão completamente ausentes da prática há demasiado tempo, imersos
nos seus livros e teorias. Não é ir “orientar” alunos em estágios que dá a
prática. Aliás, os professores de enfermagem, muitas vezes, nem são bem-vindos
nos locais de estágio. Atrapalham, alteram a dinâmica dos serviços, vão com as
teorias perfeitas para serviços reais, vão dar lições de moral a quem luta
diariamente no terreno.
Qualquer dia forma-se enfermeiros que sabem todas as teorias na ponta da língua...mas às tantas nem um copo de água vão saber dar a um doente!
Qualquer dia forma-se enfermeiros que sabem todas as teorias na ponta da língua...mas às tantas nem um copo de água vão saber dar a um doente!
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