Nos últimos dias, em conversa
casual com duas amigas (ambas enfermeiras), surgiu o tema “Mestrado” e uma
dúvida em comum…para que serve?
Quando eu andava no ensino
secundário, que me lembre, só um professor tinha feito mestrado. Um professor
com anos de trabalho, um excelente professor (como outros que não tinham
mestrado), com uma bagagem de conhecimentos enorme e que, realmente,
justificava o facto de ter mestrado. Fui para o ensino superior e poucos eram
os professores com mestrado, sendo que alguns estavam em processo de fazê-lo.
Professores / Enfermeiros com anos de experiência, seja na prática ou na via ensino,
cuja vida nesta fase era dar algumas aulas e dedicação quase absoluta ao
mestrado. Estes dois casos que falei, era o “antes”. Faço de seguida a minha
análise ao “agora”.
Hoje em dia assiste-se a uma
formação sem precedentes de pessoas com mestrado, uma vez que a maior parte
tiram o mestrado mal acabam a licenciatura ou pouco tempo depois. É verdade que
o processo de Bolonha praticamente obriga a isso em quase todos os cursos. Mas
vou apenas cingir-me no que à minha profissão diz respeito (atenção que falo em
profissão, não em curso).
Creio que o mestrado deve ser algo
que tem como principal objectivo um ganho profissional, quer para o
profissional que o faz, quer para a profissão. E por arrasto, e apenas como
consequência disso, pode representar um ganho curricular.
Antes de prosseguir, quero deixar
bem claro que não falo contra ninguém, não critico quem tira os mestrados
actuais (tenho amigos e familiares com ou a tirar mestrado), desses mestrados
que qualquer dia às tantas vou estar na eminência de ser obrigado a fazer. Falo
apenas do que acho que representa o mestrado neste momento.
A verdade é uma, os mestrados,
actualmente, não deixam de ser simplesmente trabalhos académicos, às tantas um
pouco mais trabalhosos, mas apenas isso. No caso de enfermagem acontece que se
tira em simultâneo especialidade e mestrado, mas não deixa de se aplicar o que
eu digo.
A palavra mestrado tem inerente a si a palavra Mestre, que
segundo a wikipédia “é um indivíduo
que adquiriu um conhecimento especializado sobre uma determinada área do conhecimento humano.“ Como
praticante há mais de vinte e dois anos de Karate, é uma palavra pela qual
tenho inúmero respeito e não utilizo de forma leviana. No Karate, a meu ver,
não chega ser cinturão negro para se ser apelidado de “Mestre”. Há muitos
poucos Mestres. Eu com o tempo que levo de Karate digo com sinceridade…nem
daqui a mais vinte e dois anos me considerarei merecedor dessa designação.
Transportando esta filosofia/ideia para o caso dos mestrados, como posso pensar
em ser Mestre do que seja com pouco mais de 4 anos de prática de uma arte?
(sim, a enfermagem também é uma arte) Como posso considerar Mestre alguém que
nunca trabalhou na profissão na qual tira o mestrado? Mesmo que tenha mestrado
não o considero como tal.
Um Mestre tem que ter uma bagagem, não apenas
teórica, sobre a arte. Tem que a viver dia a dia durante anos a fio. Conhecer
os seus segredos mais profundos, ser possuidor de um conhecimento superior aos
demais praticantes da arte. Um mestrado, acima de tudo, creio que devia ser o reconhecimento
de conhecimentos extraordinários sobre determinada área e não ser um meio
(ilusório) de os conseguir. Para isso existem as formações, as pós-graduações,
os congressos etc.
Que sabe sobre a Enfermagem alguém que está a
acabar o curso? Digo mais, que sei eu que ainda sou um iniciante?
A existência dos mestrados actuais surge da arrogância
parola de termos que ser superiores aos outros, como se fossem um atestado de
inteligência. Queremos ter os títulos antes de termos as competências. Como já
disse, os mestrados deveriam de reconhecer as competências (incluindo todo o
conhecimento que encerram) e não como que dar um atestado de posse de
conhecimentos.
Daí a distinção que eu fiz antes de curso e
profissão. A licenciatura dá-nos um curso. Trabalharmos na nossa profissão é
que nos deveria dar o mestrado…ao contrário do que se pretende hoje em dia,
conseguir trabalho devido ao mestrado.
Dou um exemplo mais pessoal. Acabei o curso. Se
me obrigassem a tirar uma especialidade/mestrado, no meio de tanta indecisão lá
acabaria por optar por uma de duas. Passados quatro anos, a minha ideia mudou
completamente, apesar do pouco conhecimento que ainda tenho sobre a Enfermagem.
Imaginem como será quando tiver mais quinze ou vinte anos de prática! Tenho
noção que brevemente poderei ser obrigado a fazer o mestrado, não por vontade
própria, mas para não ficar atrás dos demais e não ser prejudicado.
Sim, prejudicado, pois a nível curricular um
mestrado conta mais que experiência profissional. Eu que trabalho na minha área
diariamente, que aprendo todos os dias, que aprendo a conhecer as pessoas e as
suas necessidades de cuidados…estou menos apto para trabalhar que uma pessoa
que nunca trabalhou e apenas estudou e fez um trabalho académico! Eu tenho
competências (reitero, que englobam conhecimentos) que não me foram dadas pelo
curso. Uma pessoa com curso e com mestrado (mas que nunca trabalhou), pode ter
reconhecidos conhecimentos que eu não tenho reconhecidos, mas muito
dificilmente terá as competências que eu tenho.
Vive-se a falácia que mestrado dá
competências. Nada mais errado! Deveria, isso sim, reconhecê-las…mas como
reconhecer algo que ainda não se tem? Daí não passarem de trabalhos académicos.
E cada vez de qualidade mais dúbia.
Está a acontecer com os mestrados o
que aconteceu com o ensino secundário e superior. Estão aos poucos a
tornarem-se “obrigatórios” através do facilitismo cada vez mais patente nesses
níveis de ensino. Hoje em dia, o ser menos inteligente, mais ignorante e mais
analfabeto facilmente atinge a nomenclatura de Dr.º ou Eng.º…e agora de Mestre.
Com isto apenas se consegue que as coisas percam valor e se banalizem.
Como se sentirá alguém que após
anos de trabalho e aquisição de competências faz um mestrado, mestrado esse que
lhe reconhece as competências ganhas ao longo da carreira e que traz algo de
novo para a profissão, como verdadeiro trabalho de investigação…ao ver um
catraio, que nada percebe da arte, atingir o mesmo grau de reconhecimento? Só
vejo uma palavra possível…anedótico.
São tantas as pessoas a tirar
mestrados, que os temas vão escasseando. Daqui a pouco (se é que já não é
assim), serão cópias uns dos outros. Que valor acrescentam estes trabalhos à
profissão? Zero!
Claro que isto tem uma explicação
simples. Tiram-se cursos, mas não há trabalho, então prolonga-se um pouco mais
o tempo de estudante ao engatar-se logo os mestrados. As condições de trabalho
são más…tira-se mestrados para ter a ilusão que se vai ter acesso a melhores
condições de trabalho. Assim, calam-se durante mais algum tempo as vozes de
descontentamento e se enche um pouco mais os bolsos de alguns.