sábado, 19 de janeiro de 2013

Mestres vs Mestrinhos




Nos últimos dias, em conversa casual com duas amigas (ambas enfermeiras), surgiu o tema “Mestrado” e uma dúvida em comum…para que serve?
Quando eu andava no ensino secundário, que me lembre, só um professor tinha feito mestrado. Um professor com anos de trabalho, um excelente professor (como outros que não tinham mestrado), com uma bagagem de conhecimentos enorme e que, realmente, justificava o facto de ter mestrado. Fui para o ensino superior e poucos eram os professores com mestrado, sendo que alguns estavam em processo de fazê-lo. Professores / Enfermeiros com anos de experiência, seja na prática ou na via ensino, cuja vida nesta fase era dar algumas aulas e dedicação quase absoluta ao mestrado. Estes dois casos que falei, era o “antes”. Faço de seguida a minha análise ao “agora”.
Hoje em dia assiste-se a uma formação sem precedentes de pessoas com mestrado, uma vez que a maior parte tiram o mestrado mal acabam a licenciatura ou pouco tempo depois. É verdade que o processo de Bolonha praticamente obriga a isso em quase todos os cursos. Mas vou apenas cingir-me no que à minha profissão diz respeito (atenção que falo em profissão, não em curso).
Creio que o mestrado deve ser algo que tem como principal objectivo um ganho profissional, quer para o profissional que o faz, quer para a profissão. E por arrasto, e apenas como consequência disso, pode representar um ganho curricular.
Antes de prosseguir, quero deixar bem claro que não falo contra ninguém, não critico quem tira os mestrados actuais (tenho amigos e familiares com ou a tirar mestrado), desses mestrados que qualquer dia às tantas vou estar na eminência de ser obrigado a fazer. Falo apenas do que acho que representa o mestrado neste momento.
A verdade é uma, os mestrados, actualmente, não deixam de ser simplesmente trabalhos académicos, às tantas um pouco mais trabalhosos, mas apenas isso. No caso de enfermagem acontece que se tira em simultâneo especialidade e mestrado, mas não deixa de se aplicar o que eu digo.
A palavra mestrado  tem inerente a si a palavra Mestre, que segundo a wikipédia “é um indivíduo que adquiriu um conhecimento especializado sobre uma determinada área do conhecimento humano.“ Como praticante há mais de vinte e dois anos de Karate, é uma palavra pela qual tenho inúmero respeito e não utilizo de forma leviana. No Karate, a meu ver, não chega ser cinturão negro para se ser apelidado de “Mestre”. Há muitos poucos Mestres. Eu com o tempo que levo de Karate digo com sinceridade…nem daqui a mais vinte e dois anos me considerarei merecedor dessa designação. Transportando esta filosofia/ideia para o caso dos mestrados, como posso pensar em ser Mestre do que seja com pouco mais de 4 anos de prática de uma arte? (sim, a enfermagem também é uma arte) Como posso considerar Mestre alguém que nunca trabalhou na profissão na qual tira o mestrado? Mesmo que tenha mestrado não o considero como tal.
Um Mestre tem que ter uma bagagem, não apenas teórica, sobre a arte. Tem que a viver dia a dia durante anos a fio. Conhecer os seus segredos mais profundos, ser possuidor de um conhecimento superior aos demais praticantes da arte. Um mestrado, acima de tudo, creio que devia ser o reconhecimento de conhecimentos extraordinários sobre determinada área e não ser um meio (ilusório) de os conseguir. Para isso existem as formações, as pós-graduações, os congressos etc.
Que sabe sobre a Enfermagem alguém que está a acabar o curso? Digo mais, que sei eu que ainda sou um iniciante?
A existência dos mestrados actuais surge da arrogância parola de termos que ser superiores aos outros, como se fossem um atestado de inteligência. Queremos ter os títulos antes de termos as competências. Como já disse, os mestrados deveriam de reconhecer as competências (incluindo todo o conhecimento que encerram) e não como que dar um atestado de posse de conhecimentos.
Daí a distinção que eu fiz antes de curso e profissão. A licenciatura dá-nos um curso. Trabalharmos na nossa profissão é que nos deveria dar o mestrado…ao contrário do que se pretende hoje em dia, conseguir trabalho devido ao mestrado.
Dou um exemplo mais pessoal. Acabei o curso. Se me obrigassem a tirar uma especialidade/mestrado, no meio de tanta indecisão lá acabaria por optar por uma de duas. Passados quatro anos, a minha ideia mudou completamente, apesar do pouco conhecimento que ainda tenho sobre a Enfermagem. Imaginem como será quando tiver mais quinze ou vinte anos de prática! Tenho noção que brevemente poderei ser obrigado a fazer o mestrado, não por vontade própria, mas para não ficar atrás dos demais e não ser prejudicado.
Sim, prejudicado, pois a nível curricular um mestrado conta mais que experiência profissional. Eu que trabalho na minha área diariamente, que aprendo todos os dias, que aprendo a conhecer as pessoas e as suas necessidades de cuidados…estou menos apto para trabalhar que uma pessoa que nunca trabalhou e apenas estudou e fez um trabalho académico! Eu tenho competências (reitero, que englobam conhecimentos) que não me foram dadas pelo curso. Uma pessoa com curso e com mestrado (mas que nunca trabalhou), pode ter reconhecidos conhecimentos que eu não tenho reconhecidos, mas muito dificilmente terá as competências que eu tenho.
Vive-se a falácia que mestrado dá competências. Nada mais errado! Deveria, isso sim, reconhecê-las…mas como reconhecer algo que ainda não se tem? Daí não passarem de trabalhos académicos. E cada vez de qualidade mais dúbia.
Está a acontecer com os mestrados o que aconteceu com o ensino secundário e superior. Estão aos poucos a tornarem-se “obrigatórios” através do facilitismo cada vez mais patente nesses níveis de ensino. Hoje em dia, o ser menos inteligente, mais ignorante e mais analfabeto facilmente atinge a nomenclatura de Dr.º ou Eng.º…e agora de Mestre. Com isto apenas se consegue que as coisas percam valor e se banalizem.
Como se sentirá alguém que após anos de trabalho e aquisição de competências faz um mestrado, mestrado esse que lhe reconhece as competências ganhas ao longo da carreira e que traz algo de novo para a profissão, como verdadeiro trabalho de investigação…ao ver um catraio, que nada percebe da arte, atingir o mesmo grau de reconhecimento? Só vejo uma palavra possível…anedótico.
São tantas as pessoas a tirar mestrados, que os temas vão escasseando. Daqui a pouco (se é que já não é assim), serão cópias uns dos outros. Que valor acrescentam estes trabalhos à profissão? Zero!
Claro que isto tem uma explicação simples. Tiram-se cursos, mas não há trabalho, então prolonga-se um pouco mais o tempo de estudante ao engatar-se logo os mestrados. As condições de trabalho são más…tira-se mestrados para ter a ilusão que se vai ter acesso a melhores condições de trabalho. Assim, calam-se durante mais algum tempo as vozes de descontentamento e se enche um pouco mais os bolsos de alguns.

2 comentários:

  1. Olá Jorge! Vi o post no facebook e não resisti a vir cá comentar...

    Antes de mais gostava de referir que concordo com alguns dos teus argumentos. No entanto gostava de acrescentar a minha opinião meramente subjectiva.

    Primeira questão, a abundância de mestrados disponível. Na verdade é apenas uma boa forma das escolas ganharem bastante dinheiro com pouco trabalho, uma vez que comparativamente, se analisar-mos o tempo efectivo de aulas e o valor das propinas o lucro que um aluno de mestrado gera é exponencialmente maior quando comparado com um aluno da licenciatura, falamos de milhares e milhares de euros para algumas horas lectivas. A diversidade existente, noutro sentido, é salutar e obriga os alunos a procurarem os de maior qualidade.

    Outra questão é a das competências. Na verdade um mestrado deveria ser vocacionado para a vertente académica, ou seja, dotar o mestrando de conhecimentos específicos sobretudo na área da investigação. No entanto, quando alguém compara diversos currículos, e como na sua grande maioria os candidatos têm parca experiência profissional a formação académica surge como uma forma de posicionar os candidatos, concordo que talvez tenha demasiada ponderação como tu argumentas...

    Concordo plenamente quando referes que na sua grande maioria, os recém-licenciados não têm ainda competências para se candidatar a um mestrado e mais uma vez são apenas aceites nas escolas por forma aumentar o valor das propinas, no entanto, é uma situação que ocorre em todas as disciplinas e não apenas na disciplina da enfermagem.

    Por fim, o assunto que me levou a responder-te... Referes que de futuro não haverá temas a trabalhar. Não podias estar mais errado, e revela que provavelmente ainda não tiveste oportunidade de enveredar pela investigação. Na verdade, quanto mais se investiga mais questões se levantam sobre as temáticas, originando cada vez mais temas. Acredito até que a enfermagem está estagnada no tempo e não tem evoluído como ciência porque existe muito pouca produção científica de enfermagem. Quando lutamos para ter o reconhecimento que merecemos como profissão devemos também pensar que contributos tem dado a ciência de enfermagem para a melhoria dos cuidados prestados às populações? A investigação e a prática baseada na evidencia serão o futuro de uma enfermagem credível e reconhecida.

    A pobre qualidade dos trabalhos efectuadas deve-se aos aspectos referidos, sobretudo à necessidade de produzir em massa, sem olhar à qualidade.

    No entanto, e compreendendo perfeitamente a posição dos enfermeiros que se encontram desempregados e enveredam pela vertente académica para ludibriar o desemprego, não podemos esquecer que estes também têm a responsabilidade de escolher um mestrado que responda às suas expectativas, uma vez que existem diversas opções, dentro e fora da enfermagem, orientados para diversas temáticas e que apresentam de facto grande qualidade e exigência dotando os mestrandos de competências muito importantes para a prática da enfermagem.

    Com os melhores cumprimentos,

    Enfermeiro Duarte Ferreira, Mestre em Informática Médica pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e Doutorando em Ciências de Enfermagem do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Antes demais, obrigado pelo feedback Duarte.
      Apenas vou-me focar no ponto em que divergimos (e que eu devo estar errado). Só te posso dizer que estou inteiramente de acordo contigo, acho que nem podia ser de outra forma. Mas concordo também com o que eu digo e que tu no fundo explicaste. Neste modelo actual de mestrados, o de formação em massa, a coisa estagnou. Não há (generalizando e correndo esse risco) trabalhos de investigação de qualidade...aliás, poucas das teses que se fazem hoje em dia devem ser classificados como tal. São trabalhos cujas pessoas que os fizeram careceram de tempo ou mesmo interesse ao debruçarem-se sobre eles. Foi nesse sentido que disse que "vai haver falta de temas". Como disse, estes trabalhos devem trazer algo de novo à profissão e duvido muito que estes o tragam.
      Não, não me debrucei ainda sobre a área da investigação. Gostava isso sim de tirar especialidade (que agora vem misturada com o mestrado), algo que considero que devia estar algo separado do termo mestrado.
      Mais uma vez, obrigado pelo teu comentário.
      Abraço

      Eliminar