Lembro-me, como se fosse hoje, do preciso momento em
que decidi que ia emigrar. Por muito que se diga que se está na disposição de
emigrar, nunca o temos tão presente como o instante em que nos dizem “começas dia
x”.
Nesse dia, a fazer nos próximos dias nove anos, mais
um dia num trabalho que gostava, mas que não era o meu, recebi a tal chamada do
país vizinho. Não havia muito que escolher, não havia muito que pensar. Havia,
isso sim, um sonho por cumprir, que ao mesmo tempo era a maior das minhas
dúvidas…será que nasci para ser enfermeiro? Por isso, não houve hesitação na
hora de aceder ao chamamento, o que não significa que não houvesse medo,
insegurança e as tais dúvidas.
Sei que fui para relativamente perto, antes que digam
que fui um emigrante de vida fácil. Sim, Pontevedra é aqui ao lado, Espanha é o
país nuestro hermano, dizem que a língua é fácil etc. A minha opinião é que
fácil é quando vamos como turistas e que a língua se parecer muito à nossa foi
mais entrave que facilitador. Sabem quando se fala que nós percebemos tudo o
que eles dizem, mas eles não nos percebem? Anda muito longe de ser mito. Agora
imaginem não nos conseguirmos fazer entender no local do trabalho, quando o
relacionamento humano é fundamental, ou numa qualquer repartição pública, como
finanças ou segurança social (ir lá em Portugal já é um bicho de sete cabeças).
Nessa linda Pontevedra, cresci como enfermeiro e como
homem. As dificuldades que senti no início foram desaparecendo, devagar, mas
cada vez menores. O local de trabalho deixou de parecer uma casa assombrada
passando a ser uma segunda casa, a cidade passou a ser a minha cidade.
Tive momentos felizes nos sete anos em que estive
fora do país, mas não posso dizer que o era realmente. No momento em que decidi
ir para lá foi o momento em que suspendi a minha vida, de sonhos e de projetos.
Nunca escondi o desejo de voltar ao meu país, sabia
que haveria coisas que o podiam impedir, logo pus de parte os meus sonhos mais íntimos.
Quando me meto em algo, meto-me a cem por cento, logo o viver num limbo entre
dois sítios (Fafe e Pontevedra) foi sempre impeditivo para assumir outras
coisas. Num trabalhava, noutro matava as saudades da família e do que me fazia
falta.
Sei que isto é uma maneira muito minha de ver a vida,
não um perfil linear a todos os que emigram.
Foi há quase dois anos que a minha vida recomeçou a
fluir. Voltei a sorrir dentro de mim, permiti-me projetar e sonhar novamente.
Não sendo a vida uma permanente felicidade, não deve ser uma constante
resignação. Vivo feliz, aqui no cantinho que me viu nascer e crescer,
procurando ajudar a sociedade na qual me insiro com o meu grãozinho de areia.
Permitam-me responder à pergunta que fiz no início
deste meu devaneio, não, não nasci para ser enfermeiro. Simplesmente adoro o
que faço e ser enfermeiro vai muito além das paredes do serviço onde trabalho,
permanece em mim mesmo depois de despir a farda. E isto…devo à oportunidade que
me deram, há quase nove anos, do lado de lá da fronteira.