quarta-feira, 5 de julho de 2017

A Vida em suspenso

Lembro-me, como se fosse hoje, do preciso momento em que decidi que ia emigrar. Por muito que se diga que se está na disposição de emigrar, nunca o temos tão presente como o instante em que nos dizem “começas dia x”.
Nesse dia, a fazer nos próximos dias nove anos, mais um dia num trabalho que gostava, mas que não era o meu, recebi a tal chamada do país vizinho. Não havia muito que escolher, não havia muito que pensar. Havia, isso sim, um sonho por cumprir, que ao mesmo tempo era a maior das minhas dúvidas…será que nasci para ser enfermeiro? Por isso, não houve hesitação na hora de aceder ao chamamento, o que não significa que não houvesse medo, insegurança e as tais dúvidas.
Sei que fui para relativamente perto, antes que digam que fui um emigrante de vida fácil. Sim, Pontevedra é aqui ao lado, Espanha é o país nuestro hermano, dizem que a língua é fácil etc. A minha opinião é que fácil é quando vamos como turistas e que a língua se parecer muito à nossa foi mais entrave que facilitador. Sabem quando se fala que nós percebemos tudo o que eles dizem, mas eles não nos percebem? Anda muito longe de ser mito. Agora imaginem não nos conseguirmos fazer entender no local do trabalho, quando o relacionamento humano é fundamental, ou numa qualquer repartição pública, como finanças ou segurança social (ir lá em Portugal já é um bicho de sete cabeças).
Nessa linda Pontevedra, cresci como enfermeiro e como homem. As dificuldades que senti no início foram desaparecendo, devagar, mas cada vez menores. O local de trabalho deixou de parecer uma casa assombrada passando a ser uma segunda casa, a cidade passou a ser a minha cidade.
Tive momentos felizes nos sete anos em que estive fora do país, mas não posso dizer que o era realmente. No momento em que decidi ir para lá foi o momento em que suspendi a minha vida, de sonhos e de projetos.
Nunca escondi o desejo de voltar ao meu país, sabia que haveria coisas que o podiam impedir, logo pus de parte os meus sonhos mais íntimos. Quando me meto em algo, meto-me a cem por cento, logo o viver num limbo entre dois sítios (Fafe e Pontevedra) foi sempre impeditivo para assumir outras coisas. Num trabalhava, noutro matava as saudades da família e do que me fazia falta.
Sei que isto é uma maneira muito minha de ver a vida, não um perfil linear a todos os que emigram.
Foi há quase dois anos que a minha vida recomeçou a fluir. Voltei a sorrir dentro de mim, permiti-me projetar e sonhar novamente. Não sendo a vida uma permanente felicidade, não deve ser uma constante resignação. Vivo feliz, aqui no cantinho que me viu nascer e crescer, procurando ajudar a sociedade na qual me insiro com o meu grãozinho de areia.

Permitam-me responder à pergunta que fiz no início deste meu devaneio, não, não nasci para ser enfermeiro. Simplesmente adoro o que faço e ser enfermeiro vai muito além das paredes do serviço onde trabalho, permanece em mim mesmo depois de despir a farda. E isto…devo à oportunidade que me deram, há quase nove anos, do lado de lá da fronteira.


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