Desde o dia 1 de Julho que está
disponível, no site da ARS, o formulário do Testamento Vital, apesar de ele já
poder ser feito há sensivelmente um ano.
Este testamento é algo simples e
que visa, unicamente (na minha opinião), que as pessoas tenham voz sobre o que
querem, numa altura em que ainda a podem pronunciar.
Quantas vezes ouço “Se fosse eu,
preferia morrer do que ficar assim?” ou “Morrer era um favor que Deus lhe
fazia, está a sofrer tanto!” Pois bem, está na hora das pessoas, que realmente
pensam assim, tomarem a rédea sobre o que querem que lhes façam, ou não, caso
se vejam em situações de doenças em estado terminal ou doenças do foro
neurológico graves.
A medicina está vocacionada, e bem,
para salvar vidas humanas até à última réstia de esperança. O problema advém,
muitas vezes, do produto dessa salvação. Muitas vezes salva-se um corpo, mas
não se salva a vida (peço desculpa pela crueldade do pensamento). E em todas
estas situações, nas que não há nenhuma réstia de recuperação, acontece a
normal deterioração (que mesmo com todos os cuidados é inevitável) de um corpo
inanimado, em que apenas os órgãos sobrevivem. E essa deterioração é
acompanhada de processos dolorosos, infeções, de sofrimento etc. E mesmo acontecendo
isto, procura-se tratar as pessoas até que uma infeção mais grave ou alguma
falha orgânica não o permita. Atenção, falo em tratar, pois o cuidar tem que
estar sempre presente até ao fim da vida, com ou sem testamento vital.
Como também acontece em doenças
terminais, em que as pessoas são mantidas de forma artificial, com técnicas
invasivas (e porque não dizê-lo, dolorosas), muitas vezes atrasando o resultado
final, mas não permitindo qualquer aumento da qualidade de vida.
Por isso acho o testamento vital é
algo do género de “mais vale tarde que nunca”. Finalmente as pessoas têm a
oportunidade de antecipar-se e poderem ter mão no que querem ou não. E juntando
a isso, alivia-se os familiares de terem que decidir algo por nós, que muitas
das vezes vai em contra do que a pessoa doente quer (ou quereria).
Contudo, já li algumas barbaridades,
fruto, muito em parte, da ignorância das pessoas….outras da estupidez.
Há quem diga que não confia nos
médicos (“há cada médico aí!”) que vão ajuizar as possíveis situações (falamos
sempre de hipóteses), que podem aproveitar-se do facto de as pessoas terem
elaborado e assinado este documento para deixá-las morrer, mesmo que a situação
não o justifique. No fundo, uma maneira simpática de dizer, para as matar. Que
por esquemas e dinheiro serão capazes disso. Que pela crise, quantos mais
morrerem melhor e se consentirem “porreiro pá!”. Como profissional de saúde, mesmo
sabendo que há bons e maus médicos, mais sérios e menos sérios, não me passa
pela cabeça que uma coisa destas possa acontecer e sinto-me ofendido por ouvir
dizer algo assim. Não confiam neles para isto e confiam para as operarem? Para
as diagnosticarem e prescreverem medicação? Coerência por favor. Não é por um
professor ser pedófilo que deixamos de acreditar nos docentes, não é por um
condutor de autocarro ser alcoólico que deixamos de andar de autocarro, não é
por um maquinista ser responsável pelas mortes de dezenas, que deixamos de
andar de comboio, e podia continuar com isto.
Outra aberração, é que isto é uma
abertura para a eutanásia ou que isto é a eutanásia. Só pode dizer isto, alguém
com desconhecimento, ou com uma grande confusão, de conceitos. Ninguém vai dar
o que seja para que um doente morra. Até hoje, quando se seda um doente (em
estado terminal, por exemplo), não se dá uma dose para matar (isso é nas
execuções na América). Usa-se a dose necessária para o doente ficar sedado e
tranquilo. Se a sedação pode diminuir o tempo de vida? Pode e diminui. Mas a
pessoa tanto pode aguentar um dia, uma semana ou um mês. Não se dá uma dose
para que a pessoa morra, de forma calculada, daí a uns minutos ou horas. Isso é
crime. Não abordarei aqui a questão da eutanásia (a meu ver tema pertinente).
Eu, que vejo casos como os que
acima referi todos os dias, digo “Eu não quero isso para mim!” Não estou a
dizer que não o quero para os meus doentes ou para as outras pessoas. Não sou
Deus ou quem quer que seja para o dizer, muito menos para o decidir. Só faz o
testamento vital quem quer e quem o faça não vai interferir na vida de ninguém
por o fazer. Por isso, quem o quer saúda que se possa fazer, quem não quer que
se limite a abster-se de criticar quem o faz e tentando impor o seu desejo aos
demais.
Pensar e decidir, quando quem sofre
são os outros (e dos outros) é a coisa mais fácil que há.