quarta-feira, 13 de novembro de 2019

AVC…o acidente que ninguém espera


São muitas as doenças que nos podem levar, num abrir e fechar de olhos, dum estado de perfeita autonomia a um estado de completa dependência de outros. Da minha curta experiência profissional, são os AVC’s os responsáveis pelas situações mais delicadas e de prognóstico mais reservado no que à recuperação diz respeito.
É daquelas coisas que todos já ouvimos algum dia falar, sabemos o que fazer para prevenir, mas continuamos a achar que acontece sempre e apenas aos outros, o que nos leva a manter hábitos de vida que potenciam o acontecimento dum episódio destes.
Muitas vezes os estudos e as nossas preocupações incidem nas taxas de mortalidade das doenças, porém no que toca aos AVC’s (e não só) o real impacto não se deve medir apenas pelas mortes causadas, mas sim pelo nível de incapacidade que provocam ao indivíduo. Sendo frio na análise e não querendo ferir suscetibilidades, traz muito mais implicações (para a família, para o estado, para a sociedade) a sobrevivência dum doente com AVC do que a sua morte.
É verdade que os tratamentos imediatos e os centros de reabilitação espalhados pelo país vão permitindo cada vez mais uma melhor qualidade de vida, não deixa de ser importante o reforço da prevenção, passando sempre pela mudança de hábitos de vida não saudáveis.
O AVC assusta-me…às sequelas físicas associam-se muitas vezes danos cognitivos, sendo estes responsáveis por impossibilitarem ou dificultarem o processo de reabilitação. Assusta-me que num dia uma pessoa possa estar a desenvolver a sua vida normal e no dia seguinte está numa cama dum hospital sem saber quem é ou de onde é. Sem saber o que faz ou porque o faz. É a perda completa do que somos.
Tanto podemos ter uma mente intata num corpo afetado, como um corpo intato numa mente desorganizada…ou então as duas coisas. Em qualquer dos casos voltamos à velha e grande questão, a batata quente nas mãos das famílias, muitas das quais sem meios nem tempo para fazer face a todas as novas exigências que o familiar apresenta.
E do que vou vendo, os acidentes cérebro vasculares surgem em idades mais precoces, o que significa, nos tempos que correm, mais anos vividos com menor qualidade de vida.





quarta-feira, 6 de novembro de 2019

Um caminho sempre em construção


A completar vinte e oito anos de prática marcial e fazendo uma retrospetiva de todas as experiências que o Karate me proporcionou, devo reconhecer que muito do que sou devo-o a tudo o que absorvi do que me foi transmitido, em grande parte pelo Sensei Marinho.
Tenho-me como alguém de rígidos princípios morais (não confundam com religiosos), em que a distinção entre o bem e o mal, o certo e o errado, sempre imperaram desde cedo na minha atuação no dia-a-dia. Com isto, ando longe de dizer que não erro ou que não possa fazer o mal, mas sei que quando isso acontecer será de forma inadvertida ou pensando que estou a tomar a melhor decisão.
E no fundo é isto, acima de tudo, o que me desafio a passar às crianças que nos são confiadas pelos pais para iniciarem connosco a prática do Karate. Talvez o maior dos desafios, sendo que a melhor forma de ensinar é pelo exemplo. E eu sei que o que eu sou, os meus alunos terão tendência a imitar de forma aumentada.
Vivendo num mundo tão competitivo, das mínimas coisas às maiores, tendemos a criar crianças que não têm tempo de o ser, tornando-se ansiosas, nervosas e falsamente seguras que se derrubam à mínima contrariedade, ou pequenos ditadores, desrespeitadores com a autoridade (seja ela qual for) ou com os colegas, que pensam que tudo gira à sua volta.
Pela minha experiência, alguma como praticante, curta como instrutor, qualquer uma destas vítimas da sociedade tem lugar nesta arte marcial (e noutras). E sim, digo vítimas porque a uma criança pouco ou nada pode ser imputado, pois são o que foram ensinadas/formatadas a ser.
Este sim, a meu ver, é o grande papel seja do Karate ou de qualquer outra atividade desportiva. A vertente de atividade física, que não deve nunca ser descurada, é a nossa melhor ferramenta para transmitir tudo o resto. Só há uma coisa que me dá mais gozo que ver um aluno nosso a dar os primeiros passos marciais ou a receber um prémio numa prova desportiva, ver que o faz de maneira superior, com disciplina, com respeito pelos colegas/adversários, pelo Sensei, pelos árbitros ou pelos pais. Se assim não for, qualquer medalha será de latão por muito ouro que reluza ou qualquer cinto apenas servirá de adorno, independentemente da sua cor.
Em poucos anos como instrutor, já com um largo número de crianças que passaram pelas minhas mãos, retirei delas a maior das aprendizagens…mais do que criar campeões numa sociedade cheia deles, preocupa-me sim formar crianças com valores, numa sociedade vazia deles.

quinta-feira, 10 de outubro de 2019

Almas despidas


Vivemos uma época em que os corpos se despem com uma facilidade assombrosa, em vários contextos do dia-a-dia.
E eu, por vias do meu trabalho, vejo a natureza humana diariamente, forçada sempre por uma condição de doença. Muito diferente do que se assiste nas redes sociais, na praia, na rua ou onde for. Corpos ausentes da beleza de outros tempos, marcados pelo passar dos anos, corpos carregados de experiências de vidas, muitas delas duras, corpos lesados pelas mais variadas doenças ou lesões.
Contudo, o que mais me toca no lidar diário com os meus pacientes é a simplicidade com que eles despem as almas perante desconhecidos. Fazem o que a maior parte das pessoas tem renitência em fazer. Numa idade avançada, com limitações que nos fazem depender de alguém, as pessoas que nos cuidam ganham um papel relevante. É essa a beleza que sinto ao cuidar de alguém, a confiança que pessoas que nos são estranhas depositam em nós.
Creio que é a empatia que geramos que nos faz ganhar o respeito e o crédito dos nossos doentes, muitas vezes logo no primeiro contato. E é aí que, mais que cuidadores, nos tornamos confidentes…de vidas passadas, de tragédias familiares, de alegrias desfeitas pela linha da vida, de cicatrizes marcadas por ferros em brasas. Muitas vezes, vivemos o drama de quem vê a perspetiva do regresso a casa, aquele porto seguro que todos gostamos de voltar ao fim do dia, como o regresso ao inferno. É o ser enfermeiro que me permite ter a real noção que em pleno século XXI ainda há muita gente a viver em condições do século XIX. Surreal, mas real.
Numa sociedade cada vez mais fútil, é curioso o contraste entre a facilidade com que mostramos o nosso exterior e a dificuldade com que nos revelamos a alguém. Será que cremos que o que aparentamos vale mais do que o que somos? Será que só damos valor ao que realmente importa quando envelhecemos? Não esquecendo que o fazemos cada dia que somamos ao ciclo da vida.
Por tudo o que referi, vou perdendo medo a envelhecer, aceito o passar dos anos com naturalidade, receando mais as limitações que as rugas, o tempo perdido que as dores ósseas.

quarta-feira, 25 de setembro de 2019

Vocação


Faz hoje anos, preparava-me eu para dar início a uma nova etapa na minha vida profissional (e pessoal), com aquela ansiedade normal de quem não sabia ao certo o que ia encontrar. Mesmo sabendo que era algo que queria, algo para o qual me atirei de cabeça, havia sempre o receio do desconhecido.
Dessa altura lembro-me, como se fosse hoje, da ambiguidade de sentimentos que percorriam o meu interior. A dificuldade enorme que foi a despedida da minha casa durante mais de sete anos, das pessoas que passaram mais tempo comigo que a minha família durante esse tempo, da cidade que aprendi a gostar como se fosse minha. Transmiti pessoalmente às minhas colegas a decisão que tinha tomado e nunca esquecerei a reação de cada uma. Tristeza pela saída, alegria por saberem que eu vinha para junto dos meus. Serviu para apaziguar a mágoa que senti ao abandonar o local que me deu a possibilidade de ser enfermeiro e fundar as bases para o que me tornei.
Aqui, fui recebido de braços abertos por todos, o que me permitiu crescer lentamente a nível profissional, descobrindo finalmente a área da enfermagem com a qual mais me identifico. Quem me conhece, sabe que rejeito liminarmente, no meu caso, que se fale de vocação relativamente à profissão. Era o queria, mas não fazia a mais pequena ideia do que significava ser enfermeiro. Foram muitas as dúvidas durante o curso, felizmente insuficientes para abandonar.
O gosto e o amor pelo que faço fui ganhando com os anos de trabalho. O peso e o desgaste da profissão são, em parte, compensados pelo que recebemos dos nossos pacientes. Hoje não me vejo a fazer outra coisa. Por maiores que sejam as dificuldades, entro sempre no serviço com um sorriso na cara e com um único objetivo…ser uma mais-valia para os meus doentes.
Posso dizer, com toda a certeza, não foi a vocação que me levou à profissão, foi antes esta que me orientou para a minha vocação.

terça-feira, 10 de setembro de 2019


Faz hoje quatro anos, estava mais uma vez junto dos meus doentes de Santamaria em Pontevedra, uma noite a juntar a tantas outras que lá passei…porém com a cabeça a fervilhar e o coração apertado.
Ainda longe de imaginar o meu futuro tão imediato, vivia um dilema que me fez acreditar que o meu tempo por terras espanholas estaria a chegar ao fim.
Andava cansado das viagens, a distância que fizera semanalmente durante anos parecia cada vez mais longa.
Dias antes, tinha estado contigo, tinha brincado contigo, tinha corrido contigo, tinha rido e sorrido contigo…e disse-te que não iria estar no teu aniversário que se aproximava. Implicava fazer a tal viagem, vir num dia após trabalhar de noite e ir no dia imediatamente a seguir para voltar a fazer noite. Acredita quando te digo que me sentia mesmo incapaz de o fazer.
Contudo, na noite da véspera do teu aniversário, enquanto cuidava de pais, avós e filhos de outros, sentia uma angústia tremenda. Era o aperto no coração e o peso no estômago.
Tomei a decisão ainda no serviço…ao acabar o turno, descansaria e meter-me-ia a caminho.
Apesar de me sentir alguém racional, no que toca aos meus penso mais com o coração. Apareci-te de surpresa, mas a maior prenda foi a minha por ter estado contigo no teu terceiro aniversário.
Regressei ao país vizinho com a sensação que não dava mais, mas sem nada poder fazer para que isso se invertesse. Felizmente, o regresso a casa dar-se-ia tempos depois.
Nestes anos, às tantas o tempo que passamos juntos não seria o que eu queria, devido a projetos de vida que vão surgindo e que exigem tempo e dedicação. Mas a tua entrada no caminho marcial, que tanto me orgulha, permite-me estar contigo frequentemente. Apesar de ser teu Sensei, reconheço que dás o exemplo pela atenção e empenho que tens nos treinos. Não sei se seguirás as minhas pisadas, tens um mundo para conquistar e a nossa terra pode ser demasiado pequena para isso. Quero apenas é que sejas feliz no tempo que estejas connosco.
Meu pequeno João, não podia deixar de te desejar o melhor dos aniversários…o abraço dou-te depois!
Um beijo, do padrinho

segunda-feira, 12 de agosto de 2019

Triste pequeno povo português...


Cada vez me convenço mais da tristeza e pequenez (mentalidade e atitudes) deste povo à beira mar plantado.
Apercebi-me disso quando aconteceu algo que me tocou, na dita greve dos enfermeiros. Falou-se de tudo, todos se tornaram experts sobre os males e realidade do SNS, de repente todos sabiam quanto ganhavam os maléficos enfermeiros (ao que me ri com alguns pseudo recibos a circular no face) e o que é a realidade da profissão no dia-a-dia…pelo menos, creio que só podemos opinar sobre a justiça das reivindicações se soubermos o que implica exercer qualquer profissão.
Vêm agora os Srs. Motoristas e toda a gente volta a saber do que fala…eu devo ser muito, mas mesmo muito ignorante, pois apenas penso que sei da minha vida, quando sei. Porém prefiro ser ignorante do que chico esperto egoísta e invejoso. Não me cabe a mim dizer o que seja da luta destes trabalhadores, por muito que me estorve o dia-a-dia, a greve deles é um direito.
Juntando a isto, rio-me (para não chorar) de mais uma imposição do governo relativamente aos serviços mínimos…no caso dos enfermeiros, nalguns casos a ultrapassar os 100% do resto do ano. Agora sem greve, a trabalhar-se menos (em quantidade), já está tudo bem. E o povo caladinho.
Nos motoristas, serviços mínimos a roçar os máximos, em mais uma jogada desta geringonça que não elegemos, que tem cortado os direitos dos trabalhadores através de requisições civis a soar a ditadura.
O que escrevi até agora apenas reflete a pequenez do português comum, contudo o que se passou nos últimos dias revelou-me a existência de um triste povo, que de tanto estudar parece cada vez mais (intelectualmente) analfabeto.
Com a ameaça de nova greve a pairar no ar, com uma comunicação social a ultrapassar o ridículo, assistimos a uma corrida selvagem ao bem mais essencial que temos…a comida…peço desculpa, o combustível!
Filas intermináveis, discussões que chegaram a vias de facto, cenas surreais de pessoas a encher bidões e mais bidões, como se o mundo fosse acabar. Pergunto se a maior parte dessas pessoas atesta um depósito durante um mês inteiro?
Nós que pensamos ser um povo civilizado, um povo muitas vezes melhor que os outros, que faríamos nós numa situação de calamidade, em que faltassem realmente os bens essenciais, como por exemplo na Venezuela ou em países de África? Pelo que vi, acho que nos mataríamos uns aos outros em menos de uma semana.
Somos os mais solidários quando tudo está bem, quando podemos dar o não nos falta… mas somos uns porcos selvagens quando se trata de partilhar o pouco que há com todos. E isso assusta-me, pois diz muito do que somos.

segunda-feira, 29 de julho de 2019

Finalmente...o que me vai na alma!


Podia ter escrito estas palavras há uma semana atrás, mas preferi deixar a emoção abrandar e as ideias assentarem.
Fui parte, como árbitro internacional, na comitiva portuguesa da SKI Portugal que marcou presença no 13ª Campeonato do Mundo da SKIF, na República Checa.
À partida, ilusão enorme. Primeiro, em todos os competidores portugueses, na certeza da bagagem regressar com alguma medalha, em segundo, que a equipa de arbitragem tivesse oportunidade de provar que está ao nível dos melhores.
O que aconteceu esteve além das nossas melhores previsões. As medalhas foram-se sucedendo, os que lá não chegaram fizeram os seus oponentes dar o máximo para os ultrapassar e as bancadas ficaram marcadas pelo “Portugal allez, Portugal allez, Portugal allez”, que no último dia era entoado por várias nações adversárias.
É das tais coisas que merecem ser vividas e só assim se consegue perceber a sua real dimensão. Nestes dias o que mais me custou foi ter de manter a distância emocional em relação ao que se estava a passar. Como árbitro o papel é outro, temos que nos concentrar no que estamos a fazer, ser frios e objetivos nas decisões, pese embora o turbilhão de sentimentos que possam ir no nosso interior.
À posteriori, e mais em privado, dei os parabéns aos competidores e aos técnicos que de forma superior guiaram estes jovens a resultados históricos.
A nível pessoal, regresso de bagagem cheia, com experiências que me fizeram crescer como árbitro, com aprendizagens que não se aprendem nos livros, tendo a sorte de calhar num painel com um líder assertivo, construtivo nas críticas e que motivou cada um de nós a fazer e ser melhor a cada dia que passava. De desconhecido, de estreante numa prova destas, tenho a certeza que cheguei ao último dia merecendo a confiança e o respeito de todos os meus colegas de tatami.
Contudo, a minha prestação só foi possível, quer pela oportunidade que o Concelho de Arbitragem me deu, quer pela equipa (sim, fomos uma equipa) na qual me inseri nestes sete intensos dias. Da experiência dos Senseis Mário Mil-Homens e Fernando Fidalgo, do companheirismo assinalável dos meus colegas e amigos Luís Mendonça, João Costa, João Batista e Rui Pereira, destaco (embora não goste de destaques) a confiança e apoio do Rui Gomes. Sem dúvida que tens o grupo contigo, queremos o mesmo que tu e estamos juntos.
Todos eles tiveram desempenhos de destaque, tendo Portugal marcado presença também em várias finais com alguns dos seus árbitros.
Agora, se me permitem, dispo o fato de árbitro e visto o de treinador da AKFAFE.
Finalmente, posso dizer sem rodeios o quanto orgulhoso estou de vocês. Foram exemplo na dedicação, na superação e na vontade de vencer ao longo de toda a época, sendo estes resultados a cereja no topo do bolo.
Começo, antes de tudo, pelos que cá ficaram. Estas medalhas também são vossas, ninguém é campeão sozinho e podem ter a certeza que a evolução deles só aconteceu devido às dificuldades que vocês colocaram uns aos outros nos treinos. E acreditem, acreditem e treinem para que numa próxima oportunidade possam estar também presentes.
Maurício…porque começo por ti? Tu que ficaste desapontado por não teres atingido os teus objetivos pessoais, tal como eu fiquei por sempre achar que tu lá chegarias. Mas a competição é mesmo assim, o nível está alto e os combates equilibrados. Deste tudo, mais não te podemos exigir. Porém não é aqui que quero chegar. Tenho prazer em treinar todos, mas tu dás 200% em cada treino, para te superares e para levares os outros a superarem-se. Vejo-te como a minha projeção no treino (com muito mais potencial), vejo-te como um digno sucessor das gerações de grandes karatecas que por aqui já passaram. Levanta bem alto a cabeça, veste o Gi e volta à luta.
Gabi…conseguiste, trouxeste o ouro! Fui espetador privilegiado da tua supremacia, da tua poderosa execução elegante, foste a primeira a obrigar-me a conter tudo o que me ia na alma! Ninguém pode prever o futuro, apenas te peço que continues como até agora e muito mais poderás conquistar.
Andreia, és a minha campeã e sabes que não é pelas medalhas. É verdade que te responsabilizo por muita da minha falta de cabelo, mas ao mesmo tempo deste um salto de maturidade assinalável. Com uma lesão de alguma gravidade para quem ia competir dentro de mês e meio, arreganhaste os dentes, mordeste a língua, superaste a dor e treinaste mais que nunca. Admiro-te miúda. Prata e ouro, um peso a que já te tens habituado.
Margarida, essa medalha dourada que trouxeste já a merecias há algum tempo. Mais uma vez assisti bem de perto à vossa execução praticamente perfeita e sorri, principalmente, por ti. És talvez de todos, aquela que nasceu com o dom de ser karateca, de ser campeã. Como bem sabemos, esse é apenas um dos fatores para se chegar lá. Confia em ti, confia em nós, torna-te humildemente arrogante frente às tuas adversárias e vais conquistar muito mais.
Sérgio, caro Sérgio…espero que esta medalha, conquistada com todo o mérito e com enorme valor para ti e para nós, seja apenas o início de algo grandioso. E em ser grande falo em sê-lo dentro e fora do tatami, como eu acredito que podes ser. E interessa-me muito mais o fora do tatami. Apesar de crescido, ainda és novo. Os erros fazem parte da vida, do passado e do presente, e devemos acima de tudo aprender com eles para não os repetir no futuro. E nunca te esqueças, neste momento, em tudo o que faças, já és uma das caras da nossa escola. Este ano evoluíste muito em todos os aspetos, estamos cá para te continuar a ajudar, mas vamos exigir muito mais de ti.
Termino sempre pelo mais importante…Sónia Marinho. Conseguiste, conseguimos, todos os sacrifícios valeram a pena! E admiração maior na forma como te dedicaste à tua preparação para competires, passados tantos anos. Gostei de te voltar a ver em ação, gostei que eles, que nunca viram, te pudessem ver.
Apesar de ter o meu próprio traço como treinador, todos temos um ou vários modelos que seguimos. Os meus são dois, tu e aquele que sei que é o nosso, o teu pai. É com enorme orgulho que trabalho e aprendo ao teu lado, para te ajudar a manter o legado do Sensei Marinho.
Palavra também para o Dinis Pires, Ana Prata, Verónica, Pedro Loureiro, Duarte Baptista, Márcio Carvalho e Dona Rosa. De diferentes formas, são pilares desta nossa casa.
Por último, ao grupo de pais dos nossos karatecas, dos maiores aos mais pequenos. Lamentavelmente não pude assistir em primeira mão à maravilhosa e justíssima receção que fizeram aos nossos campeões, queria ter estado lá, da mesma forma que me queriam lá. Mas acreditem que me arrepiei e fiquei de coração cheio ao ver as imagens, quase em direto. Fisicamente não estive, mas em alma estivemos todos. Gestos como esses dão-nos força para continuarmos a fazer o que adoramos.
Agradecimento pessoal também para o grupo Asfalto Friends. Não esperava e fiquei emocionado com tão calorosa escolta aos nossos guerreiros. Um forte e sentido abraço a cada um.
Esteja onde estiver, sei que o Sensei Marinho está com um sorriso enorme. É por ele que a AKFAFE nasceu, é por ele que existimos, é por ele que continuaremos a transmitir os nossos princípios e valores.
OSS

segunda-feira, 10 de junho de 2019

Nenhum homem é uma ilha – John Donne





Com o passar dos anos convenço-me, cada vez mais, que é impossível alguém viver sozinho de forma sã. Eu não consigo.
Gosto de ter os meus momentos a sós, gosto de pensar e refletir sobre várias coisas nesse tempo de meditação, mas depois preciso de estar rodeado por pessoas que sei, genuinamente, que gostam de mim.
Por isso, quando chega a hora de celebrar a vida e o passar dela, tento reunir-me com essas pessoas que fazem este percurso valer a pena. A elas o meu agradecimento maior, mas não me posso cingir apenas a tão restrito grupo.
Dos colegas e amigos do trabalho…das pessoas que me acompanham diariamente ou aquelas cuja distância não o permite…dos meus parceiros de vida marcial aos pequenos cujo caminho ajudo a iniciar…da minha família e do meu grupo fechado de amigos…de pessoas cuja relação é pontual e esporádica, mas de respeito mútuo…de todos eles recebi o carinho, a amizade e o calor que me fazem acreditar que algo de bom devo estar a fazer.
A minha profissão passa muito pelo cuidar do outro…mas nestas alturas são vocês que cuidam de mim, que me dão alento, renovando as minhas forças para continuar a seguir a linha que tem orientado a minha vida nestes 35 anos (para os 53 ainda falta!)
Vida essa que espero ser junto a vocês e com vocês. A todos, o meu mais profundo e sincero obrigado.

domingo, 19 de maio de 2019

Parabéns Inês



Minha pequena princesa, como estás crescida!
Ainda há pouco tempo eras um ser frágil aninhado nos colos protetores, segura por braços que te envolviam com a firmeza com que se segura o maior dos tesouros.
E hoje?
Hoje corres livremente pelos caminhos da tua vida…
Hoje aprendes a saltar sobre os pequenos obstáculos que te surgem…
Hoje exploras o teu mundo em busca de incríveis descobertas…
Hoje escalas montanhas em forma de cadeiras, muros e sofás…
Hoje tens uma personalidade capaz do mais terno abraço ou da mais inocente indiferença…
Hoje derretes-me com os teus “Joxes” e com os olhares envergonhados sempre que me vês…
És uma menina cheia de vida, de sorriso apaixonante e gargalhada fácil.
Hoje é o teu dia…feliz aniversário!
Beijinho do padrinho

terça-feira, 19 de março de 2019

Dia do Pai


Hoje é do Pai, uma data que cada vez faz mais sentido celebrar, numa época em que as crianças vivem nas escolas e vão dormir a casa, em que os pais vivem em casa, mas ausentes nos seus trabalhos.
Tempos em que se defende o afeto, mas em que o tempo que se passa em família é escasso (em quantidade e qualidade). Não será por acaso que os problemas comportamentais se revelam em maior número. Não é uma crítica, muitas vezes as circunstâncias levam a que assim seja, mas apenas uma constatação da realidade.
Sendo algo normal, hoje foi dia de turno, foi dia de pensar e refletir. Tenho a felicidade de estar todos os dias (ou quase) com o meu pai. Lamento não ter presentes os que foram os pais dos meus pais.
Contudo, no meu dia-a-dia, cuido de pessoas que me são completamente desconhecidas quando cá chegam. Quando partem levam muito de mim e deixam muito de si. Essas pessoas são pais/mães, são (foram) filhos(as), são avós, são o mundo de alguém que não eu. Um dos meus princípios no cuidar do outro é ter isto sempre bem presente, é o respeito pela individualidade da pessoa, pelo que ela foi e é, mas também por todo o mundo (família) que a envolve.
É a este pensamento, a esta forma de estar, que encontro muitas vezes a paciência necessária para cuidar de quem precisa de ser cuidado. Nem sempre é fácil, nem sempre se tem a frescura física e mental…mas tem que ser. Só assim tempos as palavras certas a dizer, só assim podemos passar um sentimento de tranquilidade e de carinho, ao mesmo tempo que somos assertivos no que “exigimos” ao doente para que ele possa melhorar.
Se um dia algum dos meus precisar de cuidados de alguém, espero que encontrem alguém que saibam que eles são pai e mãe, que têm toda uma história passada por detrás do presente.
Amanhã voltarei para cuidar e ajudar na recuperação de pais e mães de quem não conheço, mas sempre com o desejo de transmitir segurança e proteção a uns e outros. Para que, em breve, possam regressar ao conforto e calor dos seus lares.

sexta-feira, 8 de março de 2019

Obrigado Mulheres da minha vida!


Como já referi algumas vezes, não sou muito dado a dias Internacionais do que quer que seja, contudo compreendo a existência social de alguns deles. Servem como voz de revolta, como alerta, como crítica a uma sociedade que anda muito longe de ser justa e com uma equidade à prova de bala.
Ontem Dia Internacional Contra a Violência de Género, hoje dia Internacional da Mulher…o primeiro um dos motivos que justifica a existência do segundo.
Em pleno século XXI é inadmissível o que temos vindo a assistir nos últimos dias, uma onda de violência, de crimes macabros, de atrozes atentados contra a liberdade individual. Há muitos anos, devido à cultura existente e ao próprio papel mais submisso da mulher na sociedade, até poderíamos compreender o porquê do domínio físico do homem. Afinal, somos fruto do meio onde vivemos e da educação que nos é transmitida.
Atualmente, quando se luta por uma real igualdade a todos os níveis, comportamentos existem que têm que ser banidos.
A mim mete-me muita, muita confusão os crimes hediondos que têm acontecido e aqueles que, não tenho a menor dúvida, estão à espera de acontecer.
Desde cedo que aprendi a admirar, respeitar e amar o papel da Mulher no mundo.
Começando pela minha Mãe e pelas minhas Avós, principais responsáveis por estes sentimentos em relação ao sexo oposto. E as minhas tias e primas, não fosse eu um dos poucos rapazes no meio das raparigas.
Segui depois no Karate, onde há 27 anos as mulheres não imperavam. Mas foi, já nessa altura, uma delas o exemplo que tentei e tento seguir. E hoje, lado a lado, vemos o universo feminino nesta arte a crescer, com meninas e miúdas de enormes qualidades a baterem-se sem medo com os rapazes.
Quis o destino que eu abraçasse a Enfermagem como profissão. Desde logo, durante o curso criei amizade com inúmeras jovens mulheres, mulheres que digo sem receio, são dos melhores profissionais que o país tem. Apesar de perder o rasto e contato com a maioria, o meu carinho por elas todas é enorme.
Enquanto profissional, muito do que sou aprendi com mulheres, com colegas enfermeiras e auxiliares (as de antes e as de agora). Acho que estou numa posição privilegiada para poder falar do valor que elas têm no mundo laboral. São elas (excetuando um ou outro elemento masculino) que lutam comigo diariamente para que os nossos doentes tenham os melhores cuidados possíveis. São competentes, são incansáveis, são amáveis, são exigentes quando a situação obriga. Dizer que me sinto seguro e tranquilo ao trabalhar com elas é, talvez, o maior elogio que lhes posso fazer.
Sou alguém que também tem amizades com algumas mulheres, tendo nelas alguns dos meus melhores amigos. Amigas nos melhores e piores momentos, amigas passe o tempo que passar, independentemente da distância que nos separa.
Tal como os homens, nem todas são boas, nem todas são más. Mas hoje não é a mulher na sua personalidade individual que se celebra, hoje é o dia da Mulher global, da mulher que qualquer uma deve ter o direito e capacidade para poder ser, sendo um dever da sociedade permitir a ascensão do mérito feminino.
Hoje é o dia delas, mas por tudo que referi, para mim é-o todos os dias.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

Assistentes operacionais/auxiliares…o lado invisível do Cuidar


Já muito aqui falei de Enfermagem e de alguns problemas que nos apoquentam, mais questões do “ser” enfermeiro do que no “fazer” do enfermeiro. Para isso creio haver pessoas com voz mais válida do que a minha para o expressar. Mas há algo que nunca abordei e já o deveria ter feito.
Em todas as situações da minha vida sempre tive o máximo respeito pelas pessoas, independentemente do género, profissão, estatuto social etc, que possam ter. E na profissão que abracei, desde cedo aprendi a admirar o trabalho e a dedicação dos assistentes operacionais/auxiliares de ação médica que, lado a lado connosco, fazem com que os cuidados prestados possam ser de excelência.
E o porquê de só escrever sobre isto agora? Mea culpa da minha parte. Há pequenos gestos que, se nos caem bem, devemos ter a noção que também poderão fazer bem à outra parte. E foi um pequeno gesto desses que me fez pegar na “pena”.
Nos anos passados em Espanha, foram praticamente todos os turnos em que ao meu lado apenas tinha as colegas auxiliares. E foram elas, quem nunca esquecerei, que nos meus primórdios na profissão e num país novo não me deixaram desistir. Foram companheiras e companhia de longas noites, foram professoras, foram amigas, foram um pilar que me suportou nos momentos mais difíceis. Muito do enfermeiro que sou hoje devo-o a elas.
Regressado ao país, tive a sorte de me tocar de novo um grupo de qualidade à prova de bala.
É verdade que não precisaria de passar para palavras o respeito que tenho por todas elas (há um ele), creio demonstrar isso em cada dia de trabalho. Às “minhas” queridas assistentes operacionais trato-as por colegas, como faço sempre questão de reforçar diante dos doentes. Não podia ser de outra maneira.
Agora que muito se fala no grito de revolta dos enfermeiros, deixem que vos diga que a minha revolta também é por elas(es). Ganham pouco, muito pouco para o que fazem. Tal como nós, cuidam dos familiares dos outros como se fossem seus. Ajudam a limpá-los e lavá-los, a vestir, a pegar neles. Sofrem das mesmas dores que nós. Além de muitas outras funções para as quais não tenho competências para ajuizar, mas que sei que fazem com qualidade máxima.
Diz-se muito ultimamente que os hospitais não funcionam sem enfermeiros. Não vou por aí. É demagogia. Os hospitais devem funcionar com equipas multidisciplinares, quanto mais coesa for a relação entre os diversos profissionais, melhor o seu funcionamento. Quando quebra um elo, a cadeia fica fragilizada. Quem não percebe isto, pouco conhece dos cuidados de saúde.
De todos os grupos, às tantas os assistentes operacionais são, talvez, a face menos visível dos cuidados de saúde. Mas não para mim, de mim têm todo o reconhecimento e gratidão pelo que fazem. Obrigado!

terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

Um ano...


Um ano Sensei, um ano de ausência e eu ainda com todos os momentos desses tristes dias tão vivos na minha memória, como se os tivesse vivido ontem.
Às vezes penso que tudo não passa de um sonho e que, qualquer dia, entro no Dojo e encontrarei o Sensei, com aquele sorriso e alegria franca que sempre me presenteou quando me via.
Estou…estamos todos a tentar honrar o que construiu. Às vezes tenho receio, receio de não sermos capazes de dar continuidade a um legado extremamente pesado. O Sensei faz falta, muita mesmo. Nem que fosse só pela presença, dava-nos a coragem de enfrentarmos o mundo.
Por outro lado, encaro este desafio com plena confiança que o levaremos a bom porto. Além do sangue familiar que está presente, acredito nos ensinamentos, nos princípios e valores que o Sensei me transmitiu ao longo dos anos. Foi sempre o primeiro a confiar e acreditar em nós, mesmo que meio mundo duvidasse. Moldou-nos à sua imagem, potenciando as caraterísticas individuais de cada um.
Como compromisso com os nossos novos alunos, que não terão o prazer de aprender com o Sensei, iremos sempre relembrar a nossa História. Por nós, pelo que transmitimos dentro do tatami e pelas imperdíveis experiências que passamos e que iremos contar.
A dor diminui lentamente, ao invés da saudade, que aumenta de forma galopante a cada dia que passa. Nós, AKFAFE, estamos vivos, bem vivos, eternamente com o espírito do nosso Mentor presente!
AKFAFE SEMPRE!

terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

A lata dos enfermeiros parte II


A sério Miguel? A minha opinião sobre ti, se tu te permites ter sobre tudo e mais alguma coisa, também me é permitido ter sobre ti…bem, sempre me pareceu que te achas um ser superior aos demais, opinando vários temas com uma humilde altivez, talvez culpa do teu berço de ouro que não te deixa ver com maior clareza. Mas ainda bem que não te conheço nem quero conhecer.
Antes de dizer o que seja, tendo em conta a minha experiência social e profissional, o teu comportamento e postura no “debate” de ontem pareciam influenciados por um qualquer tipo de substância…para o teu bem, espero bem que seja isso. Senão, denoto aí algum tipo de senilidade. Sei que já estás na fase idosa, mas vê lá, o envelhecimento saudável não engloba isso.
Indo ao que interessa, não vou perder tempo a explicar-te o que faço ou o que fazemos. A Enfermagem abrange tantas áreas que o que eu faço pode ser completamente diferente do que faz um colega meu…com igual importância e competência. Mas antes de ires para um direto devias de te preparar um pouco melhor, não aparecendo lá com perguntas, argumentos ou afirmações que nem uma criança de 5 anos, no auge do seu mundo fantasioso, faria. Por momentos, pensei estar a assistir a um programa de stand up comedy.
Falando agora algo mais a sério, fico triste que quando se dê tempo de antena às pessoas para explicar a nossa parte, uma vez que a greve é nossa, venham ignorantes fazer as comparações com outras classes, desvirtuando o debate. Sim, foste tu que puxaste a comparação com a classe médica, aliás, passaste o tempo todo a fazer isso (será que vi um regozijo a tentar rebaixar uma classe?). Eu, nós os enfermeiros, não precisamos de entrar em comparações. Digo-te à boca cheia que todos os profissionais de saúde do SNS ganham pouco. Enfermeiros, auxiliares, fisioterapeutas, médicos etc. Sei que é difícil, mas peço aos meus representantes que tentem não entrar neste jogo.
Quanto aos pesos que em tom de gozo referiste…as minhas dores de costas, dos meus colegas, enfermeiros e auxiliares, apesar de todo o cuidado com a correção postural, não são fictícias. Imagina-te, numa cama, sem forças, um corpo morto, a ter que ser transferido para um cadeirão? Ou pior ainda, imagina-te, doente senil, em que contrarias com todas as tuas forças o que te pedem para fazer?
Sim, não somos a única profissão de desgaste tal como referiste, novamente em gozo, ao abordar a idade de reforma pretendida. Por estarmos a defender isto para nós, não significa estarmos a dizer que não há outras profissões de risco…se as há! A tua de certeza não é. Gostava de te ver dizer isso sobre a idade de reforma dos deputados…ah, por serem seres superiores às tantas já é merecido. Tal como todos os luxos e benefícios, que os fazem viver num mundo aparte do comum dos portugueses.
Mas há outros “pesos” que ignoras (e pior ignorante é aquele que pensa que sabe o que nada sabe) e que pesam tanto ou mais do que o das pessoas que estão a nosso cargo. Porque nós vivemos no mundo real, lidamos, preocupamo-nos e tentamos ajudar realmente as pessoas que temos a nosso cargo. Não precisamos da “pena” saloia que se tem assistido e refletido nos últimos dias na comunicação social, em que de repente toda a gente parece preocupada com o adiamento de algumas cirurgias, quando elas estão adiadas em anos, ou preocupados com os pobres dos doentes que apenas parecem existir quando os enfermeiros fazem greve. Tanta coisa vai mal neste país de terceiro mundo, a começar pela falta de humanismo que comprovo no meu dia-a-dia de trabalho. Sabes, Miguel, sabes onde encontrei as pessoas mais humanas até hoje? Nos hospitais, vestem de branco, verde, azul…e levam esperança por dias melhores a quem já perdeu o seu propósito na vida, a quem sofre do desafeto das famílias e da sociedade, que nada sabe nem quer saber deles. É mais fácil assim, se ignorarmos certas coisas, acredito que durmamos melhor.
MST (soa-me a algo, mas não estou a ver o quê), sinto que somos uma classe mal remunerada, mas ao ouvir-te ontem, num local onde estás a ser pago para lá estar e falar, senti-me muito pior. Erro de casting autêntico. A tua sorte é que não tens pessoas a depender de ti…ainda bem.

https://tvi24.iol.pt/opiniao/comentario/miguel-sousa-tavares-miguel-sousa-tavares-comer-a-conta-do-estado-do-contribuinte-e-um-grande-negocio

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

A batalha das batalhas



Hoje comemora-se (será que é a palavra mais adequada?) o dia Mundial da Luta Contra o Cancro. Apesar de estarmos no arranque do século XXI, quase a chegar ao quarto de século, ainda muito falta por descobrir para que esta luta não seja tão desigual e este nome não seja uma sombra que paira, alguma vez na vida, sobre nós.
Já perdi muitas vidas para esta doença, das minhas, daquelas que me viram nascer e crescer, mas também daquelas que me foram confiadas e que, não sendo minhas, acabaram por sê-lo de alguma forma.
A nível pessoal, foram perdas irreparáveis, daquelas que deixam larga saudade e um sentimento de impotência ao ver a despedida, lenta e dolorosa, de quem me era próximo sem nada poder fazer para o impedir.
Mesmo sendo conhecedor dos limites da ciência, mesmo sabendo que nem todo o dinheiro do mundo serviria para alguma coisa, custa ver a partida anunciada de que nos é querido.
A nível profissional, lidar com o doente oncológico já fez mais parte do meu dia-a-dia do que faz atualmente. Porém, é algo que estará sempre presente. Posso dizer que, muito mais além da parte do tratamento, da paliação ou do conforto a prestar, muitas destas pessoas que passaram pelas minhas mãos fizeram-me crescer enquanto ser humano.
É impossível ficar indiferente. Sem pena, não confundamos os sentimentos. Meio a brincar, quando ouço um “tenha pena de mim Sr. Enfermeiro” sempre digo aos meus doentes que não estou lá para ter pena deles, mas sim para tentar que eles não tenham esse sentimento em relação a eles mesmos.
Foram muitas as histórias que ouvi de doentes com o fim da vida anunciado. Histórias que me levaram a percorrer Espanha, Hungria, Polónia, Portugal, das colónias a “outras” Áfricas, entre muitos outros sítios. Muitas delas guardo-as nos confins da minha memória, outras peço desculpa pelo tempo as ir apagando.
Porém, tenho por todas as pessoas que passaram e passam por mim no meio desta luta um enorme respeito, admiração e gratidão. Modificaram e modificam a minha maneira de ver e pensar a vida.
O maior tributo a todas as vítimas do Cancro será a descoberta da sua cura. Até lá, continuarei a minha missão de os apoiar e cuidar quando for caso disso. E, acima de tudo, de os escutar e aprender com eles.